Título: Custo do trabalho em xeque
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 20/11/2005, Economia, p. 31

Diretor do Iuperj diz que demissão no país é mais barata que no Chile e causa polêmica

O custo da demissão no Brasil é inferior ao de países da América Latina, como a Argentina, o México e até o Chile. A conclusão é do diretor de ensino do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj, que integra a Universidade Candido Mendes), o sociólogo Adalberto Cardoso, autor do inédito livro "As normas e os fatos. Desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil", feito em parceria com a advogada Telma Lage. A tese provocou polêmica entre os que estudam o tema no Brasil.

- A rigidez do mercado de trabalho brasileiro é um mito. Esse custo é baixíssimo aqui. É muito menor se comparado a outros países da América Latina - diz o sociólogo.

Nas contas do estudioso de mercado de trabalho, o custo para a dispensa de um empregado com três anos de empresa é de 90 dias de salário no Brasil, enquanto no México chega a 186 dias. No Chile vai a 180, e na Argentina corresponde a 145 dias de trabalho. Conclusão totalmente diversa de outro sociólogo. José Pastore, em seu novo livro "A modernização das instituições do trabalho", afirma que, "por força da regulação legislada, a dispensa de um trabalhador brasileiro implica despesas de grande monta que ultrapassa as de vários países da União Européia".

Mas o economista da Unicamp Cláudio Dedecca lembra que nos países desenvolvidos, principalmente os europeus, o custo da demissão imotivada não existe, já que ela não é permitida:

- A demissão só acontece por má conduta do trabalhador, por problemas econômicos e por modernização tecnológica. Um dos elementos do custo do trabalho está em demitir sem justa causa.

Tamanho dos encargos gera controvérsias

Lauro Ramos, outro economista voltado para as questões do trabalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra, porém, que o FGTS engorda esses custos. Um trabalhador que pediu demissão vai levar o seu saldo de FGTS. Se for demitido de uma empresa com um ano de trabalho, a multa incidirá sobre todo o saldo:

- Na verdade, essas contas pressupõem que o trabalhador não esteja carregando qualquer saldo anterior. Como normalmente os melhores estão empregados, e sua contratação implica comprar o histórico, as cifras podem ser muito elevadas e desestimular a contratação. E, com isso, impedir a abertura de uma vaga na outra ponta. Independentemente de ser maior ou menor que em outro país qualquer, é inquestionável que isso reduz a flexibilidade do mercado - pondera o economista.

Nas contas de Cardoso, após 20 anos de trabalho, a despesa se limitará a 14,3 salários. Com um ano, não chegará a dois meses de salário, contando com o aviso prévio. Os encargos trabalhistas também são polêmica. É fala comum considerar em dobro o salário do trabalhador para cobrir encargos e impostos embutidos na folha de pagamento. Cardoso calcula em 67,2% contra os 103,46% das contas de Pastore. A diferença reside em considerar o descanso semanal remunerado como encargo:

- Os trabalhadores de hoje não são os jornaleiros do século XVIII, que alugavam suas horas de trabalho e, ao fim do dia, recebiam apenas as horas trabalhadas, estando, portanto, obrigados a trabalhar aos domingos, feriados e dias santos. Ao contrário, o salário supõe esse elemento civilizatório que é o descanso semanal remunerado, respeitado até mesmo nos contratos informais - diz Cardoso.

Pastore diz que é custo, sim, já que não é possível contratar um empregado sem arcar com essa despesa do descanso remunerado. E cita os Estados Unidos como país que não paga essa folga semanal:

- Não importa se é encargo ou salário. O que importa é que a lei não permite que se contrate sem essa despesa. Os países do Mercosul são os únicos que pagam o domingo. É tempo remunerado e não trabalhado - afirma o sociólogo.

Para Ramos, do Ipea, seja 103% ou 67%, o percentual é alto demais.

Dedecca diz que o problema é mais complexo do que parece. Os custos do trabalho embutem o financiamento da educação, do Sistema S (Sebrae, Sesi, Senai, Sesc, Senac, Senat) e de outras políticas públicas:

- Pode-se tirar esses penduricalhos da folha de pagamento, mas é preciso apresentar alternativas de financiamento. No Chile, a saúde é paga e a educação é bancada pelo Tesouro. Talvez aumentar o Imposto de Renda da pessoas jurídicas, que é bem generoso, fosse uma opção.

Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, propõe mudanças. Para ele, o financiamento do INSS poderia ser uma alíquota aplicada diretamente no faturamento das empresas, desonerando a folha.

A afirmação do diretor do Iuperj de que o mercado de trabalho brasileiro é flexível se baseia também nas leis que criaram novas formas de contrato. A flexibilização já houve, segundo ele, com a adoção de contratos temporários, banco de horas e a possibilidade de redução salarial nas negociações coletivas.

O professor da Unicamp Marcio Pochmann também vê um mercado bastante flexível:

- Basta ver a alta rotatividade da mão-de-obra no Brasil. Os custos não são um empecilho.

Pochmann critica o debate concentrado no trabalho assalariado. Há um vazio legal em relação às cooperativas, aos autônomos e às empresas sem empregados.

JUSTIÇA DÁ GANHO DE CAUSA MAS TRABALHADOR LEVA MENOS DO QUE PEDE, na página 32

"Independentemente de ser maior ou menor que em outro país, é inquestionável que isso reduz a flexibilidade"

LAURO RAMOS

Economista do Ipea

"A demissão imotivada é pouco comum em países desenvolvidos. Um dos custos do trabalho está em demitir sem justa causa"

CLÁUDIO DEDECCA

Professor da Unicamp

inclui quadro: os números da regulação no Brasil / custos do trabalho para o empregador