Título: Justiça dá ganho de causa, mas trabalhador leva menos do que pede
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 20/11/2005, Economia, p. 32

Acordos chegam a 45% dos casos e só 2,28% têm pedidos totalmente aceitos

A bancária aposentada Cátia Maria da Silva não tem do que reclamar da Justiça. Foi demitida doente, com lesão por esforço repetitivo, em janeiro de 2002 e buscou, nos corredores da Justiça do Trabalho, voltar ao banco. Conseguiu, entrou de licença médica e, em agosto do ano passado, foi aposentada por invalidez aos 37 anos. Seus outros pedidos de equiparação salarial e hora extra ainda estão em análise:

- No processo de equiparação salarial ganhamos em primeira instância e agora aguardamos a decisão do Tribunal - conta.

O caso de Cátia engrossa as estatísticas do sociólogo e diretor do Iuperj Adalberto Cardoso. Segundo os números reunidos pelo pesquisador no Tribunal Superior do Trabalho (TST), 70% das cerca de 1,7 milhão de ações ajuizadas por ano no Brasil são favoráveis ao trabalhador.

- Mas nos detalhes, esse favorecimento é mais restrito. Os acordos comem 45,09% das causas. Segundo o sindicato da construção civil, a perda nas conciliações pode chegar a 40% do valor devido pelo empregador - afirma Cardoso.

Valor dos acordos ronda R$3.600 desde 1996

Segundo o levantamento, somente 2,28% dos processos são julgados totalmente procedentes, contra 7,29% negados. Em 21,73% dos processos, as demandas dos trabalhadores são aceitas parcialmente e o restante é arquivado.

O levantamento também constata um certo congelamento dos valores médios dos acordos na Justiça. E quanto mais cara a causa, menor a chance de conciliação. Nos pedidos negados, o valor sobe para R$17 mil. Nos acordos, o valor real (desconsiderando a inflação) está em R$3.600 desde 1996.

- Parece que existe um acordo tácito entre as partes. Esse número mostra também os baixos salários pagos no Brasil. O valor de R$3.600 é a média - diz Cardoso.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Vantuil Abdala, diz que a perda dos trabalhadores nas conciliações acontece em parte. Existe uma prática de inflar os pedidos na hora em que a ação é proposta, já prevendo que haverá alguma perda:

- Existe também a necessidade de o trabalhador receber rapidamente.

Ele considera muito alto o número de 1,7 milhão de ações por ano, mas atribui a uma tradição dos empregadores o não-cumprimento das obrigações trabalhistas. O ministro reconhece que há muitos detalhes na lei que dificultam o cumprimento, mas cobra outras regulações.

- Não há controle sobre a terceirização que enseja milhares de processos e nas cooperativas.

Para o desembargador Ivan Rodrigues Alves, presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio, o número alto de processos reflete a falta de fiscalização e também o desrespeito "permanente e ardiloso contra o trabalhador."

Pequenas pagam mais as multas, mostra livro

Ministério: grandes empresas recorrem

Um sistema de fiscalização do trabalho mais voltado para as médias e grandes empresas, mas em que a maioria das multas é paga pelas pequenas. Um baixo índice de registro em carteira pela ação da fiscalização (1,7% dos 22 milhões trabalhadores alcançados por ano pelos fiscais), mas taxa alta de correção das irregularidades nas condições de trabalho dentro das empresas, em torno de 80%. E um quadro pequeno de fiscais que só atua diante de denúncias. Essas foram características descritas pelo sociólogo Adalberto Cardoso no capítulo do seu livro dedicado à inspeção do trabalho:

- Como há desconto de 50% no pagamento antecipado e qualquer recurso exige o depósito total do multa, só as grandes recorrem, por terem um departamento jurídico já montado, conforme entrevistas com auditores.

Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do ministério do mesmo nome, contesta essa afirmação do pesquisador. Ela afirma que a dificuldade maior é conseguir alcançar as grandes empresas e que a fiscalização ainda está voltada para as pequenas:

- Planejamos a fiscalização junto com os sindicatos. Não é verdade que os fiscais atendam a somente a denúncias. Isso é residual. Mas, realmente, as grandes empresas sempre recorrem. Isso é feito de forma automática.

Ela reconhece que o número de fiscais é baixo e diz que a formalização é uma meta nacional e prioridade no trabalho. Se, na formalização, o resultado é pequeno, na arrecadação ela sobe bastante. Cerca de 5% de todo o recolhimento do FGTS vêm da ação fiscal. Em 2002, último dado divulgado pelo ministério, o Fundo ganhou perto de R$1 bi com o trabalho dos fiscais. (Cássia Almeida)