Título: CRISE E AGENDA POLÍTICA AMEAÇAM AJUSTE DE LONGO PRAZO
Autor: Martha Beck e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 20/11/2005, Economia, p. 33

Integrantes do governo já admitem que CPIs e proximidade das eleições dificultam debate sobre reformas fiscais

BRASÍLIA. O plano fiscal de longo prazo elaborado pela equipe econômica, que acabou se tornando o pivô de uma briga entre os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem poucas chances de evoluir no governo Lula. A avaliação é de especialistas e líderes no Congresso ouvidos pelo GLOBO.

O próprio líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), reconhece as dificuldades para aprovar um ajuste de longo prazo no Congresso, mas defende que o governo mantenha o debate sobre o tema, para conscientizar a sociedade e os partidos políticos.

- O ambiente político e a proximidade do processo eleitoral evidentemente dificultam avanços e uma coesão, mas devemos perseguir esse objetivo - afirma Mercadante.

O plano fiscal prevê um conjunto de medidas que dependem do aval do Congresso para serem implementadas. Como, por exemplo, o aumento da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 35% em dez anos. Essa medida reduz os repasses para as chamadas despesas carimbadas, como educação e transportes, dando mais autonomia ao Executivo para decidir sobre a destinação do Orçamento. Tudo isso mantendo um superávit primário de, pelo menos, 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país).

- Acho difícil que qualquer coisa progrida ainda no governo Lula. Não vejo condições de mudanças ou reformas, mesmo que elas sejam positivas para o país - diz o economista da Consultoria Tendências Roberto Padovani.

Com a base de apoio frágil no Congresso, o governo tem poucas chances de aprovar um plano de forte ajuste fiscal, acredita a oposição. Para o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), o mais importante no momento é melhorar a qualidade do gasto público e elevar os gastos com investimentos:

- O Brasil não agüenta mais. Os investimentos estão abaixo de 1% do PIB.

Economista: área fiscal precisa de atenção permanente

O economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, afirma que não há mais tempo para discutir o plano no Congresso este ano, já que os parlamentares estão envolvidos com as CPIs. E 2006 é ano eleitoral, o que dificulta ainda mais o debate sobre um ajuste fiscal, tema com alto custo político.

- Politicamente, não há mais tempo para isso (avançar no plano fiscal) - diz Freitas, ressaltando, no entanto, que a área fiscal precisa ser monitorada permanentemente. - Se não houver essa preocupação e o país passar por uma crise, todo o esforço fiscal que já foi feito poderá ser perdido.

O plano prevê também a limitação do aumento dos gastos correntes da União. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2006, essas despesas não poderão ultrapassar 17% do PIB, mas a idéia é que essa proporção chegue a 16% em dez anos. Também está prevista uma redução gradativa da alíquota da CPMF a partir de 2008, dos atuais 0,38% para 0,08% em dez anos. Essa renúncia seria compensada pela contenção dos gastos com a máquina administrativa e pessoal.

Segundo o consultor da Associação Brasileira dos Secretários de Finanças das Capitais (Abrasf), Amir Khair, o plano fiscal aumenta as condições de governabilidade e redução dos juros, o que teria um reflexo positivo na dívida pública. Pelos cálculos da equipe econômica, o endividamento chegaria a cerca de 35% do PIB até 2016, contra os atuais 50%.

Mas a própria equipe econômica já admite que não há condições para colocar as medidas em prática agora. Por isso, segundo técnicos da Fazenda, o importante no momento é continuar ressaltando publicamente a importância da responsabilidade fiscal.

- Essa é uma discussão que precisa ser permanente - diz um assessor de Palocci.

O plano fiscal de longo prazo poderá ser apresentado oficialmente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima reunião da Câmara de Política Econômica. Uma primeira versão foi apresentada aos integrantes da Câmara e acabou gerando as críticas de Dilma. Mas essa resistência não deve interferir nos planos da equipe econômica de avançar no debate sobre o ajuste de longo prazo, dentro e fora do governo.

inclui quadro: Conheça a proposta