Título: CONSUMO DA CLASSE MÉDIA REVOLUCIONA CULTURA CHINESA
Autor: Gilberto Scofield Jr
Fonte: O Globo, 20/11/2005, Economia, p. 35

Governo abre 'show business' a estrangeiros com restrições

PEQUIM. Localizado no distrito de Dingcheng, no coração de Pequim, o teatro Poly Theater é um dos mais freqüentados da cidade. Ali acontece a maioria dos espetáculos ao gosto da classe média chinesa que surgiu após a abertura econômica: os grandes musicais e os shows de dança contemporânea. No início do ano, o musical "Zhou Xuan" trouxe de volta o glamour cosmopolita da Xangai das décadas de 30 e 40, para contar a trajetória de uma das mulheres mais importantes da história do rádio, teatro e cinema da China. Semana passada, foi a vez do Balé Nacional encher a casa com o espetáculo "Pirata". Sucesso total e filas na porta, apesar dos ingressos caríssimos.

Até agora, o filão do show business era fechado ao capital estrangeiro na China, sob argumentos que iam da proteção à cultura genuinamente chinesa até a necessidade de garantir o acesso do público aos teatros com espetáculos produzidos pelo governo. Desde 1º de setembro, porém, a sede de cultura de uma população que vai enriquecendo aos poucos convenceu os governantes chineses a abrir para o investimento estrangeiro, o mercado de show business.

O que parece apenas uma decisão de política econômica mostra, na verdade, muito da revolução socioeconômica que a China atravessa. Passada a fase em que a maioria dos chineses saiu da pobreza absoluta para um nível de renda que os permite comer, beber, se vestir e se deslocar com tranqüilidade, nota o pesquisador Ted Fishman, autor do livro "China Inc.", a hora é de encher os olhos. É como diz a canção dos Titãs: "A gente não quer só comida/A gente quer comida, diversão e arte".

Investimento estrangeiro, só com parceria nacional

Mas, como tudo na China tem um ritmo próprio e o setor cultural, afinal, é uma área que mexe com o imaginário da população, nem tudo é assim tão liberado. O Ministério da Cultura diz, por e-mail, que os estrangeiros só podem investir em espetáculos na China em parcerias que mantêm 51% do empreendimento na mão dos chineses. Então como realizar shows de cantores internacionais, por exemplo?

- As companhias não podiam investir aqui a não ser através de cooperação com empresas da China, as donas do espetáculos - responde o Ministério da Cultura, acrescentando que esta cooperação, na maioria das vezes, não era tão formal.

As restrições para as parcerias - como de resto para qualquer espetáculo cultural, com algumas exceções para exposições de artes plásticas - permanecem. São vetados, entre outros, shows que possam atingir a imagem da China, do governo ou das pessoas, que prejudiquem a unidade da nação chinesa, que interfiram com assuntos internos, que sejam vulgares, que defendam superstições, violência, horror e drogas; que se oponham à ideologia chinesa e à moralidade.

Apesar das inúmeras ressalvas, as empresas estrangeiras já começam a prospectar parcerias. E a razão está no crescimento vertiginoso do setor cultural chinês, segundo Wang Jian, porta-voz do Escritório de Assuntos Legais do Conselho de Estado, em entrevista ao jornal estatal "China Daily":

- Nossa pesquisa mostrou que até um terço dos ingressos dos shows mais populares da China era dado para órgãos do governo. Isso agora acabou. O lucro para os investidores será maior", diz ele.

Legenda da foto: O MUSICAL 'Zhou Xuan' é um exemplo da nova fase cultural da China