Título: Resistência suprema
Autor: Carolina Brígido e Maria Lima
Fonte: O Globo, 24/11/2005, O País, p. 3

Dirceu consegue empate no STF, votação é adiada e oposição se rebela na Câmara

Odeputado José Dirceu (PT-SP) ganhou ontem uma esperança concreta de ver suspenso o processo de cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara. Acabou empatado em cinco votos a cinco o julgamento de um pedido de liminar feito pelo petista ao Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão final só sairá quando o ministro Sepúlveda Pertence, que não estava presente ontem, votar. A expectativa de que o voto de Pertence seja favorável a Dirceu e o possível adiamento do julgamento do deputado no plenário, previsto para quarta-feira, provocaram uma rebelião na Câmara. O presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), e deputados de oposição criticaram o STF o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Pertence não votou ontem por motivos de saúde. Para desempatar o julgamento, ele precisará dar seu voto em plenário. A próxima sessão será hoje. Portanto, existe a possibilidade, ainda que remota, de a pendência ser resolvida ainda esta tarde. Até ontem à noite, o ministro do STF não tinha informado se teria condições de participar da sessão. A próxima sessão é apenas na quarta-feira que vem.

No tribunal, tensão e discussões

O julgamento do STF foi tenso e marcado por discussões acirradas. O relator do mandado de segurança, ministro Carlos Ayres Britto, defendeu a tese de que o processo contra Dirceu deveria continuar tramitando da mesma forma, pois não haveria irregularidade. Ele rejeitou os argumentos apresentados pelo advogado do petista de que o Conselho de Ética estaria cometendo abusos. Outros quatro integrantes do STF concordaram com ele: Joaquim Barbosa, Ellen Gracie Northfleet, Carlos Velloso e Gilmar Mendes.

¿ Foi assegurada amplíssima defesa a José Dirceu ¿ disse Ayres, negando o recurso.

A defesa usou quatro argumentos no pedido de liminar. Segundo o recurso, o Conselho não poderia ter prorrogado o prazo de 90 dias para conclusão do processo; o PTB já havia retirado a representação e, por isso, o processo deveria ser arquivado; foram usadas provas de forma ilícita e, por último, testemunhas de defesa foram ouvidas antes das de acusação.

O julgamento de ontem girou em torno do último argumento. Isso porque o Conselho ouviu o depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabello ¿ teoricamente testemunha de acusação ¿ depois de as testemunhas de defesa já terem sido ouvidas. Após esse depoimento, a defesa não voltou a se manifestar. Metade dos ministros entendeu que isso não teria afetado o trâmite do processo disciplinar. A outra metade considerou um erro grave e uma ameaça ao exercício do amplo direito de defesa.

¿ A ordem do depoimento das testemunhas não pode ser aleatória. Há de se observar o figurino. Nesse julgamento não está em causa somente o mandato de um deputado, está em jogo o princípio do amplo contraditório ¿ argumentou o ministro Marco Aurélio de Mello.

¿ É preciso respeitar o devido processo legal ¿ concordou o presidente do STF, Nelson Jobim.

Marco Aurélio foi o primeiro a defender a interrupção do processo contra Dirceu para que as testemunhas de defesa sejam ouvidas sobre o depoimento de Kátia Rabello. Foram arroladas testemunhas de Dirceu dois ministros ¿ Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) ¿ e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdo B-SP), que à época do início do processo era ministro da Coordenação Política. Também foram incluídos na lista o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e o escritor Fernando Moraes.

Pela tese de Marco Aurélio, após o depoimento dessas testemunhas teria de ser escrito um novo relatório. Com isso, Dirceu ganharia meses de sobrevida. Concordaram com a idéia os ministros Celso de Mello, Eros Grau e Nelson Jobim. Cézar Peluso, que teve seu voto contabilizado nesse grupo, alegou que se contentaria apenas com a retirada do depoimento de Kátia Rabello do relatório final, sem necessidade de interromper o processo.

Pertence pode garantir vitória

Pertence poderá sacramentar a vitória de Dirceu. Em 19 de outubro, quando o STF negou uma outra liminar para suspender o mesmo processo, ele foi um dos três ministros a defender o deputado. Na ação, a defesa alegou que a acusação de participar do esquema do mensalão seria referente ao período em que Dirceu era chefe da Casa Civil. Portanto, ele não poderia ter ferido o decoro parlamentar.

Na sessão de ontem, dois ministros chegaram a trocar de lado. Gilmar Mendes, que havia votado da mesma forma que Peluso, acabou convencido depois pela tese do relator, de que a inversão da ordem dos depoimentos não havia implicado em irregularidade para o processo. Eros Grau, que era adepto dessa tese, foi convencido do contrário. Quando o STF retomar o julgamento, ainda poderá haver trocas de posicionamento, embora não seja o esperado.

O julgamento do STF caiu como uma bomba no plenário da Câmara. Logo após o presidente da Casa anunciar que a Mesa manteria a votação para o dia 30, mas que aguardaria a decisão final do STF, o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL) correu ao plenário para fazer um discurso inflamado.

Em clima de protesto contra o Supremo, os parlamentares se revezaram ao microfone para pedir uma reação de Aldo. O deputado Miro Teixeira(PDT-RJ) explicou que a Casa não precisava esperar pelo voto de Pertence, pois ainda não há uma deliberação tomada.

Muitos deputados, inclusive integrantes do Conselho de Ética, sugeriam a Izar que enviasse todos os demais processos de cassação em andamento para que o Supremo os tratasse como achasse melhor.

¿ Cabe a Aldo defender essa Casa! Se não, é melhor fechar o Parlamento, juntar todos os processos e mandar para o presidente do STF, Nelson Jobim. Isso é uma vergonha! Um abastardamento, um ato de servilismo que não podemos aceitar! O Poder Judiciário só interveio no Parlamento como agora na ditadura ¿ bradou Nonô. ¿ Conclamo a Mesa e os pares a se unir em defesa da Casa, da independência do Poder, sob pena de a Câmara acabar essa legislatura como bedel, como quintal, como dependência de empregada do Judiciário.

Aos gritos de "não vamos obedecer não!", o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), anunciou que seu partido não votaria mais nada se a Mesa decidisse por suspender a votação de Dirceu prevista para o dia 30.

¿ O ministro Jobim pensa que ainda é deputado e quer legislar por essa Casa, mas ele não é mais deputado não! ¿ protestou Maia.

Aldo vai esperar decisão do Supremo

Tão logo soube da decisão, Ricardo Izar se reuniu com Aldo em seu gabinete. Aldo saiu dizendo que era "temente a Deus e obediente às leis", por isso esperaria a decisão final do Supremo.

¿ Estou indignado! Sabe o que é indignado? Alguns ministros do Supremo não entendem como funciona nosso Conselho de Ética. Isso aqui não é um tribunal, não existem testemunhas de defesa e de acusação! ¿ protestou Izar, que ainda tentaria convencer Aldo a continuar o processo, votando na quarta-feira.

¿ Isso aqui virou um hospício! ¿ disse o primeiro-secretário Inocêncio Oliveira (PL-PE).

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