Título: JURO MENOR EM MARCHA LENTA
Autor: Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 24/11/2005, Economia, p. 23

BC reduz taxa básica em 0,5 ponto. Indústria e comércio já prevêem impacto em 2006

OComitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem, por unanimidade, cortar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), que passa a ser de 18,5% ao ano, menor patamar desde fevereiro passado, quando foi elevada para 18,75%. Apesar de esperado pelo mercado e ocorrer pelo terceiro mês consecutivo, o movimento foi criticado pelo conservadorismo da autoridade monetária. Para economistas, há muito espaço para maiores reduções. E o setor produtivo, que esperava um corte maior por causa dos sinais de desaceleração da economia, já diz que o nível de atividade do ano que vem pode ser afetado.

¿ As evidências atuais de queda da indústria recomendariam uma redução mais drástica de juros, algo da ordem de um ponto. É difícil acreditar em um ano de 2006 melhor. Pelo lado da política monetária, sabe-se que o ritmo será esse ¿ disse o diretor de Economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Boris Tabacof, que estima uma expansão do PIB inferior a 3% neste ano.

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) frisou que a queda da Selic é fundamental para garantir um bom desempenho da atividade econômica em 2006. De acordo com o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, a manutenção dos cortes graduais ¿poderá comprometer o desempenho da economia no início do próximo ano¿.

Crescimento menor entre os emergentes

O economista Antonio Licha, coordenador do Grupo de Conjuntura da UFRJ, também alerta que as taxas elevadas ¿ o país tem o maior juro real do mundo, de 13,1% anuais ¿ impedirão uma expansão maior da economia em 2006.

¿ Há um mês falávamos de um crescimento de 4,5%. Hoje as nossas previsões estão mais sombrias: o país deve crescer em torno de 3,7%, no máximo 4,2%, ano que vem. E em 2005 a Selic alta fará com que o Brasil perca a onda de expansão da economia global: enquanto as nações emergentes crescerão 5,5% em média, teremos um avanço de menos de 3% ¿ explica Licha.

A redução tímida da taxa ontem fez os analistas começarem a apostar em corte de 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Copom, a última do ano, marcada para os dias 13 e 14 de dezembro.

¿ A atividade econômica como um todo ajuda em uma redução mais forte. Se não for em dezembro, pode ser em janeiro ¿ afirmou o economista-chefe do Unibanco Asset Management, Alexandre Mathias.

Inflação sob controle, atividade econômica dando sinais de cansaço e cotação do dólar ainda na faixa dos R$2,20, que pode se refletir em aumentos mais tímidos nos preços administrados no próximo ano, são algumas das variáveis apontadas em defesa de cortes mais agressivos.

¿ Essa é a janela de oportunidade para promover uma redução mais forte na taxa de juros ¿ disse Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para quem o BC poderia reduzir a Selic em um ponto percentual.

Por enquanto, o mercado espera, em média, que a Selic encerre este ano em 18% anuais. O último levantamento semanal do BC mostrou ainda que especialistas apostam que o IPCA (índice usado como referência para o sistema de metas de inflação do governo) ficará em 4,55% no próximo ano, abaixo da expectativa anterior de 4,60% e mais perto ainda do centro da meta para o período, de 4,50%. Os juros são usados para controlar a inflação, uma vez que têm impacto na atividade econômica e evitam maior demanda com o encarecimento do crédito.

Apesar do recente cenário político conturbado devido a denúncias envolvendo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na avaliação de economistas, a decisão do Copom foi técnica, sem o objetivo de evitar especulações sobre o rumo da política econômica.

¿ Foi lamentável a decisão do BC. Diante de um desempenho tão fraco e preocupante da indústria em setembro, o BC poderia ter ousado mais. Hoje, a política monetária não condiz com as expectativas de crescimento que se tem para a economia brasileira ¿ avalia Ronaldo Guimarães, sócio da Cenário Investimentos.

Alexandre Maia, analista-chefe da GAP Asset Management, recentemente revisou para baixo suas projeções para 2005: de 3,1% de expansão da economia para 2,8%.

Segundo Antonio Licha, o câmbio é hoje o fator de maior preocupação:

¿ O BC pode ter errado a mão. Isso porque o dólar baixo ainda não afetou significativamente a indústria, mas pode logo gerar um forte movimento de substituição de produtos por importados, gerando um desaquecimento maior da indústria brasileira.

Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a redução foi pífia e ¿confirma o imenso fosso entre o Banco Central e os setores produtivos¿.

O corte de 0,5 ponto percentual na taxa vai provocar um efeito mínimo nas taxas pagas pelos consumidores. De acordo com a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), a taxa média no comércio e nos bancos deve passar de 7,58% ao mês (o equivalente a uma variação de 140,31% em 12 meses) para 7,54% (139,24% no ano).