Título: DA VENDA DE VINIL DE PORTA EM PORTA À MEGALOJA
Autor: Paulo Thiago de Mello e Carlos Vasconcelos
Fonte: O Globo, 27/11/2005, Economia, p. 40

Em mais de 40 anos trabalhando no ramo, criador da Modern Sound se tornou referência para o setor de disco

No início dos anos 60, quando comprou, com outros sócios, a Master Ranger, uma pequena loja de discos dentro da galeria do cinema Bruni Copacabana, o baiano Pedro Passos da Silva não imaginava que ela seria o embrião da Modern Sound. A megastore, que completa 40 anos em outubro do ano que vem, tornou-se referência não apenas do comércio de CDs no Rio, mas também da indústria fonográfica, além de ponto de encontro de músicos, DJs e colecionadores. A trajetória de Pedro, como é chamado por todos, confunde-se de tal modo com a da loja que um virou sinônimo do outro.

Pedro, de 58 anos ¿ com mais de 40 deles dedicados ao ramo do disco ¿ começou como vendedor de porta em porta de coleções de álbuns de vinis, depois foi balconista de loja, até que comprou a Master Ranger. Em 1962, após vender sua parte da loja, abriu um botequim em Botafogo, mas continuou vendendo discos. Inaugurou a Modern Sound em outubro de 1966, e se viu obrigado a vender o bar.

¿ Ficou muito pesado, então passei o bar ¿ diz Pedro.

Da pequena loja no interior da galeria, Pedro foi comprando outras unidades. Cinco anos atrás arrematou o cinema e, mais recentemente, adquiriu a rival Billboard, ampliando consideravelmente o espaço. Em quase 40 anos de atividade, a Modern Sound passou por todos os planos econômicos e trocas de moedas, e sobrevive à crise na indústria fonográfica, segundo Pedro, com a seguinte receita: crescer para oferecer ao cliente o melhor atendimento possível.

¿ Gostamos realmente de trabalhar com discos. E pesquisar. Somos eternos garimpeiros de preciosidades para nossos clientes ¿ diz Pedro.

Modern Sound vai ganhar concorrente na Zona Sul

Hoje, o grupo Modern Sound emprega 60 pessoas, e além da loja tem brechó de vinis, bistrô com programação musical diária, sala de recitais e coquetéis de lançamento. Segundo Pedro, o sucesso ¿ apesar da crise do setor ¿ se deve ao variadíssimo estoque de mais de 50 mil títulos. Ele explica que essa oferta mantém a loja razoavelmente saudável.

¿ É nos momentos de crise que se cresce ¿ ensina.

Pedro conta que quando decidiu ampliar a loja, muitos o chamaram de louco. Mas, diz ele, foi justamente a ousadia que acabou blindando a Modern Sound:

¿ No dia em que a gente sentir a crise é porque a coisa realmente não está bem.

Em breve, a Modern Sound ganhará um concorrente de peso na Zona Sul: a rede francesa Fnac, que tem cinco lojas no Brasil (uma delas na Barra), quer abrir uma unidade em Ipanema ou Leblon. A seção de discos representa 20% do negócio da rede, que trabalha também com livros e eletroeletrônicos.

Na área de discos, a Fnac joga pesadamente oferecendo descontos, promoções temáticas e, principalmente, um catálogo entre 30 mil e 80 mil títulos que vão do clássico e do jazz mais sofisticados a séries populares. O diretor-geral da Fnac no Brasil, Pierre Courty, espera que a operação brasileira cresça 25% este ano.

Courty afirma que busca parcerias com os fornecedores para manter seu catálogo cheio. Quando falta algo necessário para o mix de produtos da loja, importa.

¿ Podemos considerar a Modern Sound nossa concorrente, mas também competimos com varejistas como a Lojas Americanas ¿ diz. ¿ Só que o pior inimigo mesmo são os piratas.

Pedro também vê na pirataria um problema. Mas não tem medo da internet.

¿ Acho que o pirata afeta as vendas, mas a internet, nem tanto. Alguém que goste de verdade, por exemplo, de um Led Zeppelin vai querer ter o disco ¿ argumenta.

Muito ou pouco afetados pelos downloads, o fato é que grandes e pequenos varejistas de discos encaram uma crise sem precedentes. E cada um tem suas estratégias para combatê-la. Para Heitor Araújo, da cultuada loja Tracks, na Gávea, a saída é diversificar.

¿ Trabalhar também com vinis, livros, partituras. Acho que quem não for megaloja nem tiver um diferencial não vai sobreviver.

Empresário: talentos geniais passam despercebidos

Renato Arias, dono da Satisfaction, uma das melhores lojas de blues e rock do Rio, acrescentaria à receita um forte controle de custos.

¿ Estou trabalhando sem funcionários, com a ajuda de minha mulher. Reduzi margens e passei a vender mais por consignação, para ter giro. Infelizmente, tive de parar com a produção de shows, que dava dinheiro e divulgava a loja ¿ conta.

Arias também se queixa da burocracia. Por causa da greve dos técnicos da Receita Federal, suas importações se atrasaram.

¿ Eu poderia ter vendido três vezes mais discos com a volta do Cream ¿ lamenta.

Além da pirataria, os lojistas vêem a mudança de parâmetro das gravadoras como um dos motivos da crise.

¿ Nos anos 60 era impossível ter um presidente de gravadora que não entendesse de música ¿ diz Heitor, da Tracks.

Para Pedro, da Modern Sound, investe-se em poucos artistas, mas talentos geniais passam despercebidos:

¿ Antigamente, quando um artista vendia cem mil cópias, recebia um disco de ouro. Hoje é preciso vender milhões.