Título: MARCO AURÉLIO: É BALELA PROPOR CORTAR GASTOS CORRENTES
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 26/11/2005, O País, p. 8

Para assessor especial de Lula, despesas são fundamentais para manter Estado funcionando

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou os últimos dias se esmerando em elogios ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e à política econômica, mas ontem sua estratégia foi comprometida pelo chamado fogo amigo. Dois integrantes do governo falaram abertamente contra a política econômica: o vice-presidente José Alencar e o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Sem citar Palocci e atacando propostas que atribuiu à oposição, Marco Aurélio chamou de balela a proposta de corte nos gastos correntes do governo (custeio da máquina e pagamento de pessoal) como caminho para a redução dos juros e o aumento dos investimentos públicos.

O corte progressivo nos gastos correntes, no entanto, foi defendido pelo ministro da Fazenda com veemência no dia 16, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

¿ Se não reduzirmos a despesa corrente ao longo do tempo e quisermos manter o nosso compromisso de equilíbrio e manter investimentos públicos, a única saída é a tradicional do aumento da carga tributária. Não precisamos de um esforço fiscal maior, precisamos de um esforço fiscal de longo prazo ¿ disse Palocci na ocasião. ¿ Não estamos propugnando o aumento do esforço fiscal (...). Mas temos que colocá-lo como perspectiva de longo prazo e focado na redução das despesas correntes primárias da União.

Marco Aurélio afirmou que a medida representaria a paralisia da máquina pública.

¿ Tem que terminar com essa balela de cortes nos gastos correntes. São fundamentais para o funcionamento do país. Gasto corrente é salário do professor, funcionamento de hospital; é tratar com que a máquina pública possa ser efetivamente eficiente. Fico estarrecido quando vejo, num país que já tem superávit de 4,25% do PIB, na verdade até um pouco mais, a oposição citar esse tema. O gasto tem de ser eficiente, bem feito, isso é uma outra questão. Agora, diminuir os gastos significa paralisar o Estado e, sobretudo desservir, ao público.

Um dos principais assessores de Lula, Marco Aurélio se disse favorável ao aumento nos investimentos públicos, tese que pôs em campos opostos nos últimos dias Palocci (Fazenda) e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Mas teve o cuidado de ressaltar que isso ocorrerá quando a política econômica produzir condições para baixar os juros e. no futuro, o superávit das contas.

Para Marco Aurélio, o governo gasta bem e a oposição não tem condições de fazer críticas:

¿ Ela sim, gastou muito mal os U$100 bilhões das privatizações. Como foi gasto? O povo tem todo direito de perguntar.

Ele rejeitou a idéia de atribuir os problemas do país à ineficiência da burocracia estatal.

¿ É uma perda de perspectiva completa ¿ afirmou.

Perguntado se havia "exagero na dose" da política econômica atual, Marco Aurélio respondeu atacando os tucanos. Disse que a atual política não era uma continuidade da anterior, mas sim uma correção de problemas:

¿ É o que alguns chamavam de herança maldita, e depois se eliminou do vocabulário isso.

Para Marco Aurélio, atual política é de transição

E mostrou sutilmente que se inclina bem mais para o lado de Dilma do que para o do ajuste proposto por Palocci.

¿ Essa é uma política de transição, que vai durar até o momento em que estiverem reunidas condições para avançarmos mais na questão do investimento. Não haverá rupturas em relação à política atual.

Aliados de Palocci e da área econômica acreditam que esse tipo de declaração só aumenta a contrariedade do ministro. A avaliação é que o clima entre Palocci e Dilma está longe de estar pacificado. No Palácio do Planalto, alguns interlocutores tentaram minimizar as declarações de Alencar, afirmando que o vice é um crítico contumaz da política econômica.

O próximo debate público sobre a política econômica já tem data marcada: quinta-feira, quando haverá reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a participação de Lula.