Título: MINISTROS DO STF REAGEM A CONSELHO DE ÉTICA
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 28/11/2005, O País, p. 3

`É dever do Supremo prover a defesa de todos os cidadãos¿, afirma Eros Grau

BRASÍLIA. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram à investida do Conselho de Ética da Câmara de tentar influenciar o julgamento do processo contra o ex-ministro e deputado José Dirceu (PT-SP), que deverá ser concluído pelo plenário do tribunal nesta quarta-feira. Os ministros do Supremo defenderam a autonomia dos poderes e também o direito do parlamentar de recorrer de decisões do Congresso Nacional.

No esforço de evitar que uma decisão do Supremo atrase o processo contra Dirceu, cuja votação no plenário também está prevista para quarta-feira, o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), vai amanhã ao tribunal com um grupo de conselheiros pedir que compreendam melhor o papel do órgão que dirige.

Ministros dizem defender a Constituição

Para o ministro Marco Aurélio de Mello, que votou pela interrupção do processo de Dirceu, atendendo ao pedido de que as testemunhas de defesa sejam ouvidas novamente, o Supremo cumpre rigorosamente o seu papel de guardião da Constituição. Ele lamentou a reação dos parlamentares.

¿ O princípio do contraditório é a medula de todo e qualquer processo. Defesa só fala depois da acusação. Se for o caso, que se casse o deputado A, B ou C, mas que se casse com dois ¿ss¿ e não com ¿ç¿ ¿ disse Marco Aurélio.

O ministro Eros Grau, que havia votado com o relator e depois mudou de idéia, concordando com a suspensão do processo até que sejam ouvidas novamente as testemunhas, afirmou que o Supremo não pode é inviabilizar o direito de defesa consagrado pela Constituição federal.

¿ É dever do Supremo prover a defesa de todos os cidadãos, inclusive os do Poder Legislativo. O STF faz isso desde os tempos da ditadura, com os hábeas-corpus. É uma pena que sejamos criticados por aplicar a Constituição e preservar os valores republicanos ¿ ponderou Grau.

Na sexta-feira à noite, em São Paulo, o próprio presidente do STF, Nelson Jobim, já havia defendido a decisão do tribunal. Ele negou que haja crise entre Judiciário e Legislativo e disse que há uma ¿síndrome de conspiração¿ por parte dos que querem impor suas opiniões ao Supremo. Para Jobim, as críticas de parlamentares da oposição são políticas. O presidente do Supremo classificou de antidemocráticos os que não aceitam decisões judiciais.

Jobim também criticou a iniciativa, anunciada por parlamentares da oposição, de impedir a votação do Orçamento da União, em represália às decisões do STF que beneficiaram Dirceu e atrasaram a tramitação do processo de cassação de seu mandato.

Hoje, começará no Supremo uma ¿batalha de memoriais¿. Depois do presidente do Conselho de Ética enviar sexta-feira um documento a todos os ministros do STF, alertando para o risco de suas decisões inviabilizarem o funcionamento do Conselho, hoje será a vez de José Dirceu. O advogado do ex-ministro, José Luís Oliveira Lima, enviará um memorial em defesa de seu cliente.

Advogado de Dirceu aponta incoerências

O advogado disse que demonstrará no documento as incoerências do comportamento de Izar e do relator Júlio Delgado (PSB-MG), que pediu a cassação do mandato de Dirceu. Oliveira Lima vai destacar declarações que julga contraditórias dos dois parlamentares a respeito das decisões do STF.

¿ Quando o STF decidiu contra nosso cliente, o Ricardo Izar e o Júlio Delgado disseram que a decisão era maravilhosa, que os ministros eram superdotados. Agora, quando é contrária a eles, o STF não presta mais? Vou demonstrar essa falta de coerência ¿ disse o advogado de Dirceu.

Oliveira Lima afirmou ainda que, quando a decisão desfavorecia seu cliente, os advogados dos deputados a respeitavam.

¿ Respeitamos a decisão, apesar de não concordamos ¿ disse Oliveira Lima.

O memorial, segundo o advogado, é uma peça comum no meio jurídico, utilizada quando um julgamento é interrompido. É uma interpretação do caso.

Os trabalhos no Conselho de Ética recomeçam amanhã, com o depoimento das testemunhas do caso do deputado Vanderval dos Santos (PL-SP). O motorista dos Santos sacou dinheiro no Banco Rural por ordem do ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), que renunciou ao mandato para não perder seus direitos políticos.