Título: OS 513 CONDENADOS
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 28/11/2005, O País, p. 4

Ainda que levando em conta a imprevisibilidade que caracteriza as decisões judiciais, há quem aposte que a batalha institucional entre a ¿Corte da Suprema Politização¿ e a ¿Casa dos 513 condenados¿ vai acabar sem mortos e feridos nesta quarta-feira. Nos bastidores, trabalha-se pela chamada ¿solução Peluso¿, uma espécie de saída honrosa para o STF e a própria Câmara dos Deputados.

É bom lembrar que, embora caiba ao ministro Sepúlveda Pertence o voto de desempate no julgamento do recurso em que o deputado José Dirceu tenta ganhar ainda mais tempo antes da cassação, os outros dez ministros que já votaram ¿ cinco contra e cinco a favor ¿ podem mudar ou corrigir seus votos antes de proclamado o resultado. Não exatamente mudar de opinião, mas convergir para uma solução intermediária, como a proposta no voto solitário do ministro Cezar Peluso, que foi computado a favor de Dirceu mas tem nuances diferentes dos outros quatro.

Se Sepúlveda Pertence se juntar aos cinco que não deram provimento ao recurso, a situação está liquidada. Um a zero para a Câmara e Dirceu vai à guilhotina no mesmo dia. Há expectativa, porém, de que o ministro admita a tese de que o direito de defesa do deputado foi cerceado pelo Conselho de Ética, que ouviu as testemunhas de acusação depois das indicadas pelo réu.

Ainda assim, Sepúlveda não terá necessariamente de recomendar o retorno do processo de cassação à estaca zero para que o Conselho ouça novamente as testemunhas, o que daria a Dirceu uma sobrevida aí de mais uns 40 dias. Pode optar pela solução Peluso, que prevê apenas a retirada do depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, do relatório. Convence daqui, convence dali, se mais três ministros favoráveis a Dirceu concordarem com a solução, o assunto estará resolvido e não haverá maiores atrasos. Talvez apenas mais uma sessão, ou nem isso.

Ao mesmo tempo, a honra do STF nesse duelo estará salva. A Corte terá dado seu recado ¿ o de que a Câmara está se descuidando de alguns ritos básicos nos atuais processos de cassação ¿, afirmando-se politica e institucionalmente como guardiã dos direitos individuais garantidos pela Constituição.

Afinal, não há como não reconhecer que a Câmara anda apressada, pois precisa desesperadamente cassar Dirceu e outros envolvidos no escândalo do mensalão o quanto antes. Ainda que, concretamente, não tenha provas materiais contra o ex-chefe da Casa Civil. Ainda que até as paredes do Congresso saibam que há mais deputados ¿ muitos, ao que se diz ¿ que receberam dinheiro mas que, por sorte ou esperteza, não tiveram seus nomes citados e agora fazem parte da turma dos caçadores, e não da dos cassados. Ainda que se saiba que a punição ficará restrita a um bando de menos de uma dúzia de bois de piranha ¿ e que a diferença entre os que se vão e muitos dos que ficam é quase zero, já que, sabidamente, caixa dois quase todo mundo fez.

Mas a Câmara dos Deputados é hoje uma ¿Casa de 513 condenados¿, conforme dizia um dia desses o líder de um partido da base governista. Cada um de seus integrantes sabe também estar a caminho do cadafalso em 2006 e tenta se salvar da maneira que pode. No momento, essa maneira é cassar os colegas. O caso de Dirceu é emblemático. Aos olhos da opinião pública, ele terá sido o mentor intelectual da compra de votos e de passes em partidos aliados, o comandante do PT que assumiu o poder com a bandeira da ética mas logo a jogou na lama. E para isso não tem perdão.

As reações exacerbadas e um pouco ridículas de quem quer recorrer ao Supremo contra o próprio Supremo, ameaça descumprir decisões judiciais e até obstruir as votações em represália ao STF ficam na conta do desespero num primeiro momento.

Aos poucos, vão pensando melhor, os ânimos começam a serenar e os bombeiros a entrar em campo para a solução negociada. Afinal, no dia em que decisões do Judiciário começarem a ser desrespeitadas escancaradamente por um outro poder, o Estado de Direito terá ido para o espaço. Ainda que, inegavelmente, estejamos, nos dias de hoje, diante de um STF inusitada e exageradamente politizado. Mas isso é assunto para se conversar com calma, e não no calor das bravatas da crise.

E o deputado José Dirceu? Ah, esse estará feliz, qualquer que seja o desfecho dos julgamentos de quarta. Politicamente, foi muito mais longe do que imaginava. Cassado ou não, continua vivo e ainda vai dar muito trabalho.