Título: Ministério Público apura exportação superfaturada para governo angolano
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 28/11/2005, O País, p. 4

Até financiamento do BNDES teria sido usado em remessas irregulares

BRASÍLIA. As relações suspeitas entre grupos de brasileiros e angolanos não se limitam a repasses do Trade Link Bank para auxiliares do presidente de Angola, José Eduardo Santos, e aos negócios da República de Ribeirão Preto em Luanda. Relatório sigiloso do Banco Central, de 2004, bem anterior às investigações sobre o valerioduto no exterior, aponta indícios de superfaturamento e lavagem de dinheiro em operações da empresa DS & HA, exportadora com sede no Rio de Janeiro; o Banco Rural e os ministérios da Saúde e dos Transportes de Angola.

As investigações mostraram que essas empresas chegaram a ter ajuda financeira do BNDES, que financiou com juros subsidiados R$18,7 milhões dos R$42,8 milhões amealhados pela DS & HA com as exportações para Angola entre 2001 e início de 2004. As transações entre o Banco Rural, DS & HA e os ministérios da Saúde e dos Transportes angolanos estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal. O Banco Rural já está no centro das investigações sobre o suposto mensalão que o PT estaria pagando a parlamentares da base governista.

Segundo BC, exportadora recebeu R$42 millhões

Pelo relatório do BC, a DS & HA Logística, Importadora e Exportadora obteve R$42,83 milhões de receita em exportações de remédios, seringas, uniformes, peças de carro e até ônibus para os dois ministérios angolanos. Os investigadores desconfiaram da discrepância entre os valores recebidos pela exportadora brasileira e o custo total das mercadorias: uma diferença de R$23,91 milhões, segundo a Receita Federal. Isto indicaria que os importadores angolanos pagaram quase o dobro do valor das mercadorias. No balancete da DS consta que ela teve despesas operacionais de R$9,69 milhões para levar as mercadorias para Angola, o que corresponde a quase um quarto da receita e quase a metade do valor cobrado pelas mercadorias. A DS & HA declarou lucro bruto nesses negócios de R$9,2 milhões.

¿O Banco Central (...) julgou haver indícios de superfaturamento dos bens exportados, tendo em vista o sobrepreço pago pelos importadores angolanos¿, informa o relatório que deu origem às investigações do Ministério Público. Os fiscais destacaram vários aspectos da participação do Banco Rural nas transações da DS. Pelos dados do BC, o Rural cobrou taxas de 1% a 1,5% do valor dos contratos de câmbio da exportadora, o que foi considerado exagerado. Em geral, bancos comerciais cobram taxas fixas de US$100 a US$150 por operações dessa natureza.

Os valores cobrados pelo Rural coincidem com os preços cobrados por doleiros do mercado paralelo para fazer remessas ou recebimentos do exterior. Os fiscais do BC descobriram ainda que a DS remeteu ao exterior, no mesmo dia, os R$18,76 milhões que recebeu do BNDES em 9 de dezembro de 2002. Pelas regras BNDES-Exim Pré-Embarque Prazo (programa de empréstimos com juros baixos, para estimular exportações), esses recursos deveriam ser aplicados na produção dos bens exportados, sendo repassados diretamente às empresas que fabricam as mercadorias, e não à DS. O alerta do BC sobre os negócios suspeitos chegou ao Ministério Público Federal em 19 de maio de 2004. Semana passada, o Ministério Público recebeu 14 volumes de uma segunda e mais detalhada análise das supostas irregularidades. O GLOBO fez duas entrevistas, quinta e sexta-feira, com Hercílio Arlota, um dos diretores da DS & HA. Na primeira ele negou tudo, mas na depois confirmou os negócios com os ministérios da Saúde e dos Transportes de Angola.

¿ As operações estão declaradas, não têm nada de errado. Vendo para ter lucro. Não sou o INSS. Estamos num país capitalista ¿ disse ele.

Os dirigentes do Banco Rural não quiseram comentar as investigações. O BNDES informou que não tem mecanismos para saber se a DS remeteu o dinheiro do financiamento para o exterior. Essa seria uma atribuição do Banco Central. O BNDES sustenta que a empresa apresentou comprovante de exportação e pagou o empréstimo dentro do prazo previsto. A Embaixada de Angola não respondeu às perguntas do GLOBO sobre as compras suspeitas dos dois ministérios angolanos.