Título: AGÊNCIA DA AVIAÇÃO NÃO DECOLA
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 28/11/2005, Economia, p. 13

Anac não sai do papel e setor pode ser prejudicado, se governo perder prazo legal

Ogoverno corre o risco de perder o prazo para pôr em funcionamento a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A data prevista na lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva há dois meses, termina em março do próximo ano e, até agora, nada foi feito. Nem mesmo o primeiro passo do processo, que é a regulamentação do novo órgão, via decreto. Ainda não foi definida a fonte de recursos de manutenção da Anac, e a proposta orçamentária enviada ao Congresso Nacional para 2006 não destina verbas para essa finalidade.

Outro problema é a indicação dos cinco diretores, que precisam ser sabatinados pelo Senado ainda este ano, a poucas semanas do início do recesso parlamentar. Diante do quadro de indefinição, fontes do setor privado e de dentro do próprio governo temem que a nova agência fique apenas no papel, com prejuízos para a aviação civil e para a indústria brasileira, especialmente para a Embraer, que pode enfrentar dificuldades para vender seus aviões.

¿ Estamos muito preocupados com essa indefinição. O DAC (Departamento de Aviação Civil, atual órgão regulador) não é extinto, nem a Anac é criada ¿ disse o vice-presidente da Associação Brasileira da Aviação Geral (Abag), que representa os usuários da aviação-executiva, Adalberto Febeliano.

Fiscalização do setor está deficiente

Ele destacou que, com as perspectivas de criação do novo órgão regulador desde 2000, o DAC vem sendo esvaziado e hoje encontra dificuldades orçamentárias e de pessoal para fiscalizar todo o setor. Segundo ele, com a falta de recursos, o órgão tem concentrado suas ações no transporte aéreo regular, que envolve 400 aeronaves, mas representa 98% do transporte aéreo no país. No entanto, as 13.600 aeronaves da aviação geral (aviação-executiva, agrícola, helicópteros e aviões de pequeno porte) vêm sendo deixadas de lado.

O DAC também não tem conseguido fazer inspeções anuais nas cerca de 400 oficinas de manutenção de aviões existentes no Brasil. Atrasos nas vistorias de aviões também são freqüentes, disse Febeliano. Mas uma das conseqüências mais graves da demora do governo em criar um órgão regulador para o setor, na avaliação de especialistas, diz respeito às barreiras não-comerciais numa briga de gigantes travada por fabricantes de produtos aeronáuticos, como a Embraer.

A grande ameaça é que os organismos internacionais, como a Federal Aviation Administration (FAA), por exemplo, rebaixem o Brasil para a categoria 2 e os EUA rompam acordos bilaterais que reconhecem o trabalho feito por técnicos brasileiros responsáveis pela certificação de aeronaves. O Brasil não dispõe de uma estrutura permanente que possa executar essa tarefa, que vem sendo realizada por técnicos do Instituto de Fomento Industrial (IFI), em São José dos Campos (SP), contratados, na maioria, temporariamente. Para complicar o quadro, boa parte desses contratos está vencendo ou é vinculada à data de criação da Anac.

¿ A Embraer sempre pleiteou uma instituição com uma estrutura de longo prazo para a certificação de aeronaves ¿ disse um executivo ligado à empresa.

Ele acrescenta que, se essa situação se mantiver, países que têm acordos bilaterais com o Brasil, caso de Canadá, Índia, China, Estados Unidos e os europeus poderão rever sua posição.

`Governo foi alertado das conseqüências¿

No fim do governo anterior, vários países fizeram essa ameaça, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se comprometeu em criar a agência, com quadro específico para homologação e certificação de aeronaves. A proposta foi aprovada pelo Congresso em setembro último, depois de cinco anos de idas e voltas no Parlamento.

Caso o governo perca o prazo, o DAC continuará exercendo suas tarefas. Para ampliar a data, será preciso editar uma Medida Provisória ou projeto de lei ¿ reiniciando todo o processo. A minuta do decreto de criação da Anac já foi enviada pelo Ministério da Defesa à Casa Civil.

Como o presidente Lula vetou a principal fonte de recursos (metade das receitas arrecadadas pela Infraero com tarifas de embarque), a Defesa propôs que o Tesouro Nacional arque com o custo da Agência, estimado em R$300 milhões por ano. Mas essa idéia ainda não é consenso entre os ministérios. Vencida essa questão, será preciso baixar uma MP ou projeto de lei com urgência para definir a fonte de recursos, além de itens relativos ao quadro de pessoal.

Também será necessário apresentar uma emenda à proposta orçamentária para garantir a verba. Para o presidente da Comissão de Infra-Estrutura do Senado, Heráclito Fortes (PFL-PI), caso o governo não indique os nomes dos diretores da Anac até o fim desta semana, não haverá mais tempo de sacramentá-los ainda este ano.

¿ Sinceramente, não estou entendendo o que está ocorrendo. O governo já foi alertado sobre as conseqüências ¿ disse o senador.