Título: Palocci visto de longe
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/11/2005, O GLOBO, p. 2

De onde não se esperava saiu: caiu o ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna. Sua substituição pela presidente do Banco de La Nación, Felisa Miceli, de perfil menos conservador, produziu ontem queda de 4,83% e aumento sensível do dólar, num cenário em que a inflação se aproxima dos dois dígitos. A situação do ministro Antonio Palocci ¿ embora circunstâncias diferentes separem os dois casos ¿ parece estabilizada pelo menos sob o ângulo dos conflitos internos: o presidente o declarou imprescindível e foi acordado um cessar-fogo entre ele e a ministra Dilma Rousseff.

Já no flanco das denúncias sua situação continua sujeita ao imponderável das revelações de seus antigos auxiliares em Ribeirão Preto.

O encontro de domingo com Dilma, na casa dela, deixou o presidente Lula satisfeito. Antes mesmo da próxima reunião da Junta de Execução Orçamentária, devem ter uma conversa a três, que deixará definitivamente claro os termos de um compromisso pelo qual a meta oficial de superávit, de 4,25% do PIB, será elevada para algo entre 4,5% e 5%, desde que o excedente seja efetivamente gasto e investido. Esta discussão sempre esteve mal colocada. As resistências que Dilma expressou foram sobretudo à execução orçamentária, a um superávit real e não mencionado de quase 6% que acaba por inviabilizar ou atrasar projetos importantes. Não se quer repetir isso em 2006. Mas como há sempre no governo quem goste de tornar as coisas mais difíceis, a divergência tomou a forma de uma disputa sobre a natureza da política econômica. E como disse Lula, ¿o prejuízo dos últimos dias foi enorme¿.

E não foi apenas aqui que eles foram percebidos. Na quarta-feira passada o ministro era esperado em Lisboa para o Fórum Brasil, evento promovido pela Fundação Luso-Brasileira que reúne os maiores investidores portugueses no Brasil para melhor conhecer as perspectivas econômicas e políticas do país e apresentarem seus novos planos. Com a situação de Palocci se agravando muito por aqui, ele se desculpou avisando que não poderia ir, aumentando a apreensão destes empresários que vêm apostando tanto no Brasil. Palocci ficará ou cairá? Era a pergunta de todos, numa confirmação de que o vêem como o homem do leme e da bússola. Participaram do fórum nomes do peso como João Rendeiro, presidente da Fundação e empresário com interesses diversos no Brasil, Miguel Horta e Costa, da Portugal Telecom, José Antonio Marques Gonçalves, da Galp (petrolífera que tem negócios conjuntos com a Petrobras), Vasco de Mello, presidente da Brisa (que explora aqui algumas rodovias), João Salgado, do grupo Cimpor (hoje o terceiro maior produtor de cimento no Brasil), Castelão Horta (do grupo hoteleiro Pestana), Jorge Godinho, da Energias de Portugal (EDP, outro grande investidor no Brasil), entre outros do mesmo calibre. Todos têm planos de expandir seus investimentos, reclamam da carga tributária e de algumas incertezas regulatórias mas agora querem saber mesmo é do rumo que tomará o Brasil. No curto prazo, se Palocci terá força e sobrevida para sustentar a política econômica. A médio prazo, qual é o quadro provável da sucessão presidencial. Já atrasado chegou o representante de Palocci, o secretário de Assuntos Internacionais, Luiz Awazu. Mais do que a exposição sobre a boa situação da economia brasileira, agradou com as notícias tranqüilizadoras sobre a situação do ministro.

No painel dos brasileiros, o professor Carlos Langoni destacou a qualidade da nova arquitetura da economia nacional, destinada a nos levar, caso não haja mudanças brusca de vento, ao crescimento continuado. No quadro político, a cientista política Lucia Hippolito e eu avaliamos as dificuldades conjunturais trazidas pela crise política e nossas conhecidas deficiências institucionais, apontando, porém, o que há de positivo em tudo isso: investigações em curso e dentro dos marcos democráticos. E quanto à sucessão presidencial, era forçoso destacar a grande diferença entre 2002 e 2006. No ano que vem não teremos, salvo o imponderável, qualquer candidato viável que represente perigo de ruptura, algo como aquele ¿risco Lula¿ que não se concretizou mas trouxe danos ao país. Isso fará diferença, ainda que a disputa entre os partidos polares, PT e PSDB, venha a ser dura e sangrenta.