Título: ONGS PEDEM ESTATIZAÇÃO DE CARTÓRIOS DE IMÓVEIS
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 29/11/2005, O País, p. 11

`A ausência do poder público faz do Estado conivente com o crime organizado¿, diz dom Tomás Balduíno, da CPT

BRASÍLIA. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e as organizações não-governamentais Justiça Global e Terra de Direitos sugeriram ontem, em documento divulgado em Brasília, a federalização (ou estatização) dos cartórios de registros de imóveis brasileiros. A medida teria o objetivo de tentar reduzir o número de mortes por conflito agrário, combater a grilagem de terra e reduzir o desmatamento. Os cartórios são apontados como um entrave que impede o acesso dos camponeses à terra.

O relatório ¿Violação dos direitos humanos na Amazônia: conflito e violência na fronteira paraense¿ aponta o Pará como o estado que registra os piores índices de violência no campo, e como não cumpridor dos direitos humanos nessa área.

Estatização depende de aprovação do Congresso

O documento será encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e também à representante da ONU para Direitos Humanos, Hina Jilani, que chega ao Brasil no início de dezembro para investigar os conflitos no campo. A estatização dos cartórios depende de aprovação do Congresso. O relatório defende a aprovação da proposta de emenda constitucional do deputado Dr. Rosinha (PT-PR) que tramita na Câmara.

¿ Em conivência com o poder político local e com os grandes fazendeiros, os cartórios nessas regiões legalizam terras públicas, ocupadas ilegalmente, e dão a posse a grileiros. É um dos principais problemas enfrentados para quem luta pela reforma agrária ¿ disse o advogado Darci Frigo, um dos autores do documento.

A CPT e as ONGs centralizaram seu estudo nas seis localidades do Pará que mais registram ações violentas de latifundiários, assassinatos de líderes rurais e sindicais e onde também há concentração da presença de grileiros e madeireiros. Uma das cidades escolhidas foi Anapu, onde morreu assassinada, em fevereiro deste ano, a freira americana Dorothy Stang.

O presidente da CPT, dom Tomás Balduíno, afirmou que a ausência do Estado é uma razão da impunidade no campo. Ele defendeu a federalização dos crimes de direitos humanos, outra recomendação do relatório:

¿ A ausência do poder público acaba fazendo do Estado conivente com o crime organizado, os latifundiários, os grileiros e os madeireiros no Pará, onde está instalado o caos fundiário.

Apresentação teve presença de sindicalista sob ameaça

O relatório recomenda ainda a aprovação pelo Congresso da proposta de expropriação de terra onde for flagrada mão-de-obra escrava; o cumprimento dos mandados de prisão contra pistoleiros e fazendeiros; e a desapropriação pelo Incra das terras griladas. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, Maria Joel, participou da apresentação do relatório. Ameaçada de morte, ela vive sob vigilância de dois policiais. Seu marido foi morto há cinco anos por pistoleiros. Ele presidia o sindicato.

¿ Os mesmos que mataram meu marido planejam minha morte. Eles precisam ser punidos. Ninguém acredita nas ameaças, até que elas virem verdade ¿ disse Maria Joel.