Título: UM CEMITÉRIO DE CARROS
Autor: Antonio Werneck
Fonte: O Globo, 29/11/2005, Rio, p. 13

Carcaças de veículos roubados se acumulam em praça e rio de Costa Barros

Pisando fundo no imaginário, um menino franzino, de 10 anos no máximo, se aproxima para contar orgulhoso que prefere dirigir carros com quatro portas. Faz questão de dizer também que gosta de alta velocidade: correndo ao volante de Zafiras, Astras, Sienas e Gols, impressiona ao contar detalhes de suas aventuras. Os amigos ao redor ficam rindo. Mas a brincadeira não tem graça alguma e, muitas vezes, acaba em surra quando sua mãe o surpreende dentro de uma das dezenas de carcaças de carros roubados ao redor de uma praça do bairro de Costa Barros, a 40 quilômetros do Centro do Rio.

A brincadeira do menino e de outros em Costa Barros começou há dois meses, quando os carros roubados passaram a ser abandonados no bairro. São mais de 30 veículos em volta da praça com um campo de futebol ao centro, no cruzamento da Estrada de Botafogo com a Rua Santo Antônio. Carcaças de modelos como Zafira, Gol, Astra, Palio, Corsa, Siena, Fox, Ford K e Celta. Percorrendo o bairro, repórteres do GLOBO encontraram outros carros abandonados em ruas e pontos ermos.

¿ Antes era uma carcaça aqui e outra ali. Agora virou um cemitério de carros roubados. Todo dia chega um automóvel novo aqui ¿ disse um morador, preferindo não ser identificado.

Um comerciante contou que os carros são roubados por ladrões em motos e levados para os morros do Chapadão e da Lagartixa, onde têm as peças retiradas em oficinas clandestinas. Depois, as carcaças são levadas por carroceiros para os pontos onde são abandonadas e queimadas. O esquema é chefiado por traficantes de drogas.

¿ Depois que as carcaças são queimadas, o ferro é disputado por catadores, que retalham o que sobrou e vendem tudo aos ferros-velhos ¿ acrescentou uma moradora.

No Rio Acari, cerca de 200 carcaças

Alertado por moradores, O GLOBO também foi até o Rio Acari, localizado a cerca de um quilômetro de distância da praça. Ali o número de carcaças é maior: cerca de 200, todas de carros roubados ou furtados.

¿ Eles roubam os carros, ¿depenam¿ e jogam aqui. São tantos carros que qualquer dia vamos poder atravessar o rio andando sobre eles ¿ disse um comerciante.

De acordo com o delegado titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), Gilberto Ribeiro, o roubo de carros para desmanche é comum no subúrbio do Rio. Segundo eles, os ladrões levam os veículos para locais de difícil acesso. Ele confirmou que, depois de roubarem as peças, os bandidos ateiam fogo aos automóveis.

Ontem à tarde, a polícia descobriu no Morro da Lagartixa uma oficina de desmanche de carros roubados. De acordo com policiais do 9ºBPM (Rocha Miranda), cerca de 20 veículos desmontados ou parcialmente destruídos foram encontrados no local. Três pessoas foram presas.

O Estado do Rio teve no mês passado 4.615 veículos levados por bandidos, um média de 148 por dia, como O GLOBO noticiou no domingo. O número de roubos (2.834) subiu pouco menos de 2% em relação a outubro do ano passado. Os furtos tiveram uma alta maior: foram 1.781 casos, cerca de 10% a mais que o número registrado em outubro de 2004. A praça usada para abandonar carcaças em Costa Barros fica na região onde, em outubro passado, foi registrado o maior número de roubos de veículos do estado. Foram 512 casos na 9ª Área Integrada de Segurança Pública (Aisp), que engloba bairros como Vila da Penha, Vicente de Carvalho, Madureira, Costa Barros, Marechal Hermes, Pavuna e Acari, com uma população estimada em 843 mil moradores. O número representa 17% do total de roubos de veículos registrados no Estado do Rio naquele mês. O número de furtos de veículos também é grande naquela área: foram 128 casos no mês passado.