Título: Um freio na indigência
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 29/11/2005, Economia, p. 21

FGV diz que, no ano passado, total de brasileiros miseráveis foi o menor desde 92

Uma quantidade de brasileiros comparável ao total de habitantes dos estados de Alagoas ou Espírito Santo ¿ nada menos que 3,180 milhões de pessoas ¿ superou a linha da miséria no ano passado. O economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS-FGV), estima que, entre 2003 e 2004, a proporção de brasileiros que não ganha o suficiente para se alimentar caiu de 27,26% para 25,08%, conforme informou Ancelmo Gois, em sua coluna de ontem no GLOBO. Com isso, o índice de indigência da FGV alcançou o menor nível da série histórica, que começou em 1992.

Foi o primeiro estudo sobre a fome no Brasil com base na recém-lançada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, divulgada na sexta-feira. Com a queda de dois pontos percentuais na indigência, o Brasil passou a ter 47,794 milhões de habitantes com renda domiciliar per capita inferior a R$115 por mês (em valores de 2004). A estimativa, contudo, não leva em conta a área rural da Região Norte, uma das mais pobres do país. A metodologia da FGV tem como base uma cesta de alimentos de 2.288 calorias diárias, conforme recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Desde 1995, ano seguinte ao Plano Real, a pobreza não caía tanto no Brasil ¿ com a ressalva de que, como não houve Pnad em 94, o dado se refere ao período 93-95. Em 2003, início do governo Lula, a estagnação econômica e a inflação alta aumentaram a miséria. Já em 2004, o indicador se beneficiou com a recuperação do emprego e, principalmente, com a queda na desigualdade de renda.

O IBGE, que se concentra na renda do trabalho, apurou estagnação nos ganhos dos brasileiros em 2004. Já Neri, que incorporou às suas estatísticas a renda total de cada domicílio dividida pelo número de moradores, chegou à conclusão que, em 2004, o ganho médio no país aumentou 2,85%: de R$401,95 para R$413,43. Sob o mesmo critério, o Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, caiu 2,05%. Saiu de 0,585 para 0,573, num cálculo que varia de zero a um, e quanto mais perto de um, pior.

¿ É importante frisar que está acontecendo algo raro na História brasileira, que é a redução consistente da desigualdade. Em 2004, a pobreza caiu 8%. Dois terços deste resultado têm a ver com queda da desigualdade; um terço, com o aumento da renda dos mais pobres ¿ diz Neri.

Em reunião ministerial, Lula comemorou o resultado

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou ontem, durante reunião de coordenação de governo, os resultados da Pnad 2004. Segundo assessores, Lula disse aos ministros ¿ entre os quais Antonio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) ¿ que ¿ficou feliz porque os números mostram que, depois de 20 anos, a desigualdade começou a diminuir no país¿.

O presidente citou o Bolsa Família como o principal programa social do governo. Até o fim deste ano, 8,7 milhões de famílias brasileiras integrarão o programa que, para o governo, está ajudando a reduzir a pobreza. A estimativa é de que o número chegue a 11 milhões no fim de 2006.

Marcelo Neri concorda que as políticas de transferência de renda influenciaram a redução da miséria. Mas ele comemora também a recuperação do emprego formal, que cresceu 6,6% em 2004, segundo o IBGE. Foi o caso do pernambucano Leandro José da Silva, de 23 anos, que desde os 18 busca um trabalho com carteira assinada. O jardineiro só realizou seu sonho no ano passado, quando foi contratado como servente por uma indústria em Paulista, na Grande Recife. Por mês, ganha R$308.

¿ Não dá para ir a festas, comprar roupa ou bebida, mas dá para ir vivendo ¿ diz Silva, que vive numa casa modesta com a mulher, Débora Mariano da Silva, de 19 anos, grávida de quatro meses.

COLABORARAM: Cristiane Jungblut e Pereira Júnior

MISÉRIA RURAL FICA ABAIXO DE 50% PELA 1ª VEZ, na página 22