Título: NA MIRA DA INVESTIGAÇÃO
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 29/11/2005, O Mundo, p. 28

Caso Jean Charles faz de Ian Blair 1º comissário da Scotland Yard alvo de inquérito

AComissão Independente de Reclamações sobre a Polícia (IPCC), que investiga a morte de Jean Charles de Menezes por agentes da Scotland Yard na estação do metrô de Stockwell, em Londres, em 22 de julho, recebeu ontem autorização do Ministério do Interior britânico para realizar uma apuração independente da conduta de oficiais da força no caso, inclusive de seu comissário, sir Ian Blair. Principal autoridade policial do Reino Unido, Blair vem sendo duramente criticado por informar inicialmente que Jean Charles fugira dos policiais e usava roupas pesadas suspeitas.

De acordo com a própria Scotland Yard, é a primeira vez que seu mais graduado oficial será alvo de uma investigação e a autorização do ministério é requerida por lei nessa circunstância. Embora o processo vá se concentrar em pessoas da corporação que possam ter contribuído para a desinformação do público, o trabalho da IPCC certamente vai acrescentar pressão pela renúncia de Blair. Seu inferno astral começou em agosto, quando a versão da polícia foi desmontada por documentos da IPCC obtidos pelo canal de TV ITN News, revelando que o eletricista mineiro não apenas entrou calmamente na estação como ainda usava apenas uma jaqueta jeans.

Queixa da família será base da investigação

Outro complicador para Blair é a contradição entre sua declaração de que só soube que um inocente havia sido morto 24 horas depois da execução do brasileiro. Fontes policiais já disseram à mídia britânica que o comissário fora informado do erro na mesma tarde. E, no mês passado, a divulgação de uma carta enviada pelo comissário ao Ministério do Interior, na qual pedia a suspensão da lei que obriga o repasse de casos de mortes provocadas por policiais à IPCC, só piorou sua situação.

A investigação terá como base uma queixa dos parentes de Jean Charles apresentada em outubro. A família alega que a polícia mentiu sobre as circunstâncias de sua morte. Mas a IPCC ontem informou que a questão da falta de retificação das informações divulgadas pela polícia não fará parte da pauta. A comissão alega que a polícia apenas obedeceu a uma determinação de não fazer mais comentários oficiais sobre o caso.

¿ Não queremos que a nova queixa da família de Jean Charles desvie a busca da verdade sobre as circunstâncias de sua morte ¿ afirmou o presidente da IPCC, Nick Hardwick.

Já a Scotland Yard se pronunciou por meio de seu comissário-assistente, Paul Yates, que após a morte do eletricista visitou os pais em Gonzaga (MG). Yates fez questão de ressaltar que Blair não será o único investigado no processo, e afirmou que a polícia vai colaborar com a IPCC.

¿ E gostaríamos de relembrar que pedimos desculpas formalmente à família pelos enganos nas informações 48 horas após o incidente ¿ completou o vice-comissário.

Jean Charles foi confundido com um suspeito da tentativa de atentado ao sistema de transportes da capital, em 21 de julho, que aparentemente morava no mesmo bloco de apartamentos do brasileiro no sul de Londres.

¿ É uma vitória em nossa campanha por justiça, embora eu ainda não entenda como Ian Blair ainda ocupa o cargo depois de tudo o que já veio à tona. O chefe da polícia tornou nossa dor ainda maior ao falar mentiras sobre o ocorrido ¿ afirmou Alex Pereira.

A nova investigação confirma as impressões de que a caça aos culpados pelo incidente de Stockwell está se concentrando nos pontos mais altos da cadeia de comando da Scotland Yard. No domingo, uma reportagem do jornal ¿Sunday Times¿ informou que os dois policiais que mataram o eletricista mineiro com sete tiros na cabeça deverão escapar de um processo criminal, o que complicaria a situação da comandante Cressida Dick, supostamente responsável pela ordem de atirar em Jean Charles.

O relatório principal da IPCC será concluído em dezembro, mas seus resultados só deverão ser publicados no final de fevereiro. Já a investigação paralela ainda não tem prazo definido.

Ainda ontem, políticos e entidades de defesa dos direitos humanos saudaram a nova investigação. A diretora do grupo Liberty, Shami Chakrabarti, criticou as autoridades pela defesa da polícia, e disse que oficiais da Scotland Yard se preocuparam mais com a mídia do que a investigação apropriada da morte de uma pessoa pelas mãos do Estado. Já o deputado liberal-democrata Mark Oaten, que participa da campanha por justiça no caso, foi além:

¿ O mais grave nisso tudo é a polícia ter matado uma pessoa simplesmente por uma suspeita. Qualquer um poderia ter sido vítima de um procedimento que sequer foi debatido apropriadamente ¿ queixou-se Oaten, numa alusão ao fato de que a política de atirar para matar em casos de terror, adotada após os atentados de 7 de julho, não passou pelo Parlamento.