Título: Enfado e violência
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/11/2005, O GLOBO, p. 2

Há uma perceptível mudança no ambiente do Congresso. Nota-se, de um lado, a banalização da crise, representada por uma espécie de enfado da maioria com o desenrolar da novela. Por outro lado, e quase contraditoriamente, há um aumento da violência política, que já deixa de ser apenas verbal para chegar às bengaladas de ontem contra o deputado José Dirceu.

Se a maioria já não anda excitada como antes, os que compõem a elite parlamentar, os generais da luta política, é que vêm fazendo subir o tom da beligerância. O homem que agrediu Dirceu certamente o fez porque se sentiu à vontade, estimulado pelo clima de ringue que predomina sobre a civilidade política. Há poucos dias um senador e dois deputados, além de uma senadora, falaram em surrar o presidente da República e não se ouviu uma reprimenda oficial. Se as excelências dizem isso, estimulam freqüentadores ¿ e por ali passam milhares de pessoas por dia, além de parlamentares e servidores ¿ como o homem da bengala, um senhor de cabelos brancos. Bengalada em deputado, tenha ele o nome e a biografia de José Dirceu ou seja um obscuro membro do baixo clero, é uma agressão à liturgia parlamentar.

Na sessão final da CPI da Terra, outras cenas de hostilidade. A senadora Ana Julia rasgou e lançou aos ares o relatório do deputado Abelardo Lupion. Se ela exagerou, mais ainda o fizeram os ruralistas da CPI, ao aprovar um parecer alternativo que ofende a realidade agrária do Brasil. Antes, haviam rejeitado o parecer do relator João Alfredo (PSOL-CE), que apresentava a questão do ponto de vista exclusivo dos movimentos sociais que lutam pela terra e pela reforma agrária. Mas Lupion foi para o extremo oposto. Dedicou apenas 19 linhas à mais grave questão brasileira, a conflagração agrária do sul do Pará, que fomenta a violência e estimula o desmatamento. Esqueceu a existência de trabalho escravo (nos últimos três anos foram libertados mais de 12 mil em 400 fazendas), de grileiros, de milícias armadas por fazendeiros. Preferiu denunciar um suposto treinamento de guerrilheiros das Farc em assentamentos do MST e tipificar ocupação de terra como crime hediondo. Os movimentos, e sobretudo o MST, cometem seus excessos mas o problema agrário brasileiro vai muito além disso. A CPI terminou melancolicamente, aprovando um relatório unilateral, sem apresentar um bom diagnóstico e muito menos uma boa proposta. E numa sessão em que só faltaram bengaladas.

Enquanto isso, a maioria zanza por um Congresso dominado pelas CPIs, e mesmo elas já não acertam o passo. O depoimento de mais um assessor do ministro Palocci, Ademirson Ariovaldo, foi frustrante e curto. O próprio ministro, numa exposição sobre o Fundeb, teve que responder a ataques de líderes à política econômica, que não estava em pauta.

Enquanto isso, ainda, os partidos se dividem sobre manter ou derrubar a regra da verticalização, de olhos postos na eleição de 2006. E os presidentes do Senado e da Câmara, como se comandassem um Parlamento em plena normalidade e com grande disposição de trabalho, apresentam uma linda pauta de votações para estes dias finais do ano. Utópica, longa e repleta de projetos relevantes mas inteiramente inadequada ao ambiente em que se misturam tédio e hostilidade.