Título: Um calote de R$222 milhões
Autor: Carla Rocha/Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 30/11/2005, Rio, p. 14

Dívida de estado e município com prestadores de serviço deixa empresas e empregados na penúria

A inadimplência do estado e do município com os fornecedores de serviços na área de saúde levou ao colapso a economia de empresas e empregados. A dívida do estado, estimada pelos setores de limpeza, alimentação e vigilância, chega a R$140 milhões. Já a do município, a R$82 milhões. Firmas fecharam, outras podem deixar de funcionar; e empregados trabalham sem ganhar ou recebem atrasado, precisando contar com a ajuda financeira de colegas servidores.

O 13º salário desses empregados corre risco. O Sindicato das Empresas de Asseio do Estado informou a eles que os empresários terão dificuldade para pagar o benefício. O superintendente do sindicato, José de Alencar, afirma que a prefeitura deve cerca de R$25 milhões às dez empresas que prestam serviços na área de saúde - uma divida adquirida nos seis últimos meses de 2004 e de junho para cá. Já o estado deve cerca de R$10 milhões a dez firmas.

Administrador do grupo Beni, que presta serviços de limpeza para a rede estadual, Francisco Oliva lamenta pelos 600 empregados. Segundo ele, a dívida, em um ano e oito meses, é de R$3,1 milhões:

- Nós estamos bancando os salários, mas chegamos a um momento de insolvência. Todos os nossos créditos nos bancos se esgotaram - afirmou Francisco Oliva.

Governos podem ser responsabilizados

O presidente do Sindicato dos Empregadores das Empresas de Asseio do Estado, Luciano David de Araújo, garante que o peso do calote já foi repassado para os empregados.

- As empresas não recebem e não pagam - disse. - Se não resolverem isso, vamos parar de trabalhar.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmaram que há ilegalidade no tratamento aos empregados neste momento de crise e que estado e município podem ser responsabilizados por danos aos trabalhadores.

- Os governos municipal e estadual não deveriam aceitar que os empregados trabalhem sem pagamento. Isso é no mínimo imoral - disse o advogado Álvaro Trevisioli, consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Terceirização.

O presidente do Sindicato dos Vigilantes, Fernando Bandeira, confirmou que, mesmo sem salário, muitos empregados preferem continuar no posto.

- O desemprego é grande - afirmou Bandeira.

O procurador Cássio Casa Grande, do Ministério Público do Trabalho, disse que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho determina que, quando o trabalhador é ligado a prestadoras de serviços contratadas pelo estado ou pelo município, ambos têm de arcar com os custos do empregado, em caso de decisão judicial.

Já o advogado Marcelo Cordeiro, professor de direito do trabalho da PUC-SP, ressalta que, apesar de a lei 8.666, de 1993, vedar a atribuição de responsabilidade à administração pública no caso das prestadoras de serviço, a jurisprudência mostra tendência contrária:

- Para a Justiça do Trabalho, a administração pública tem responsabilidade, sim. Se os empregados ingressarem com ações, elas certamente vão envolver município ou estado.

As empresas do setor de alimentação também enfrentam problemas. De acordo com Ricardo Feio, advogado do Sindicato das Empresas de Refeições Coletivas do Estado, os débitos do município vêm desde julho do ano passado. A dívida da prefeitura com as firmas do setor seria de R$30 milhões e a do estado, de R$50 milhões:

- As empresas que prestam serviço para o estado estão na penúria - disse o advogado.

A Secretaria estadual de Saúde informou que está liberando esta semana cerca de R$55 milhões para o pagamento de serviços, em especial, na área de limpeza e alimentação.

COLABOROU: Dimmi Amora

Nova emergência, velha falta de soro

Uma ironia marcou ontem o início do funcionamento da nova emergência do Hospital Salgado Filho, no Méier. Com equipamentos de última geração, a unidade pode ser hoje a melhor do gênero em funcionamento na rede municipal, mas ontem o hospital teve que cancelar oito cirurgias de manhã e sete à tarde por falta de soro fisiológico e de ringer lactato, um soro usado em pacientes submetidos a cirurgias.

- Jogaram para a platéia ao inaugurar a emergência. Ela é ótima, mas sem funcionários e sem material é impossível trabalhar - disse o presidente do corpo clínico do hospital, Ivan Arbex.

Cerca de 40 pacientes que estavam na antiga emergência começaram a ser transferidos ontem para as novas instalações.

Sujeira faz Pedro II fechar centro cirúrgico

Pessoal de limpeza, que trabalhava de graça há dois meses, paralisou o serviço

Pedaços de gaze suja no chão, poças de sangue, latas de lixo pelas escadas. Essa era a paisagem desoladora ontem do centro cirúrgico e da maternidade do Hospital Pedro II, em Santa Cruz, que foram fechados depois que o pessoal de limpeza, sem receber há dois meses, decidiu paralisar o serviço. A situação era tão desesperadora ontem à noite que o diretor do hospital, Marco Aurélio Costa, chegou a chamar soldados do Exército para fazer uma faxina. Com o alarme causado pela medida, ele voltou atrás e acabou dispensando os militares.

- Só da emergência são retirados 16 sacos de lixo ao dia - disse uma funcionária sem se identificar.

Ao todo, 187 pessoas trabalhavam na limpeza do hospital. Até outubro, eram contratadas da Vigo, que decidiu deixar o estado porque estava há quatro meses sem receber. Os empregados ficaram com a promessa de que receberiam os atrasados, mas isto não correu.

O presidente da associação de funcionários do Hospital Pedro II, Gilberto Mesquita, que estava intermediando um acordo entre o pessoal de limpeza e o estado, disse que a situação é de calamidade pública. Segundo ele, há um mês, foi encontrada uma larva na refeição de uma enfermeira-chefe. O presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa, deputado Paulo Pinheiro (PPS), disse que o problema vai além da infecção hospitalar:

- Nossa preocupação não é mais com o bicho que a gente não vê, é com o bicho que a gente vê - disse, referindo-se às péssimas condições de limpeza.

A vigilante do Hospital Souza Aguiar, Denise Ribeiro, de 40 anos, contratada da Confederal, conta que está com o salário em dia, mas que ficou sem receber por dois meses:

- Às vezes pedíamos dinheiro emprestado para trabalhar.

Seis pessoas da faxina do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião trabalham de graça desde que a Vigo resolveu abandonar o local.

- Não fui embora porque disseram que seria contratada.

Legenda da foto: UM FUNCIONÁRIO trabalha na limpeza do hospital