Título: UM PLANO PARA CUBA PÓS-FIDEL
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 30/11/2005, O Mundo, p. 34

Washington adota política para minar regime e evitar êxodo de cubanos após morte de presidente

O governo dos EUA aceitou a sugestão da Comissão para a Assistência a Cuba Livre de adotar um enfoque "mais integrado, disciplinado, e com medidas preventivas, para minar estratégias de sobrevivência do regime de Fidel Castro e contribuir para criar condições que ajudem o povo cubano a apressar o fim da ditadura". A comissão foi criada pelo presidente George W. Bush em outubro de 2003, com a tarefa de planejar uma transição em Cuba. Um dos principais temores da Casa Branca é um êxodo em massa de cubanos para os EUA quando Fidel morrer.

O primeiro resultado prático de um informe produzido pelo grupo foi a criação em julho - pela secretária de Estado, Condoleezza Rice - do cargo de coordenador para a Transição em Cuba. O segundo foi iniciar agora os trabalhos para incentivar os cubanos a apressarem a mudança de regime. A tarefa está em mãos de Caleb McCarry, que nos últimos oito anos foi assessor da Comissão de Relações Internacionais da Câmara de Deputados.

- O objetivo é acelerar a desaparição da tirania de Castro - disse Condoleezza ao nomeá-lo.

Segundo McCarry, não se trata de promover um golpe de Estado, mas de ajudar Cuba a estabelecer um governo democrático e uma economia de mercado depois da morte de Fidel.

- O gênio da transição já saiu da lâmpada - disse McCarry, que tem uma verba de US$59 milhões para utilizar nessa empreitada ao longo dos próximos dois anos.

Tanto McCarry quanto Carlos Pascual, cubano naturalizado americano que chefia o Escritório de Coordenação para Reconstrução e Estabilização, do Departamento de Estado, negam-se a revelar detalhes da estratégia. Porém, funcionários admitem que há dois enfoques. Um deles, que envolve a participação do Departamento de Defesa, é o desenvolvimento de um plano de assistência imediata a Cuba pós-Fidel, para evitar o caos. Isso incluiria ajuda humanitária, como distribuição de alimentos, assistência médica, pagamento de pensões e manutenção de escolas. O outro seria acelerar a transição. Ou seja: o fim do regime.

Ambos são baseados numa questão que envolve alto risco político: o governo americano não está disposto a aceitar que o poder seja transferido de Fidel para seu irmão, Raúl Castro. Apesar de isso sugerir a possibilidade de uma intervenção direta dos EUA, os funcionários garantem que a idéia é buscar uma mudança de regime pacífica. A iniciativa faz parte de uma política iniciada em julho de 2004 com a criação do Escritório de Coordenação para Reconstrução e Estabilização. "A experiência mostra que administrar conflitos, em especial conflitos internos, não é um fenomeno passageiro. Isso se tornou uma tendência predominante de nossa política externa", segundo o Departamento de Estado.

Chanceler cubano ironiza decisão

Para desenvolver essa tendência o governo americano agora está disposto a utilizar "novas ferramentas que possam influenciar as escolhas que países e pessoas fazem sobre a natureza de suas economias, sistemas políticos, segurança, e até mesmo, em alguns casos, sobre a verdadeira estrutura social de uma nação", diz um dos itens que especificam a missão da agência do Departamento de Estado.

O governo cubano reagiu com ironia à missão de McCarry. O chanceler Felipe Pérez Roque o comparou ao ex-administrador dos EUA no Iraque ao dizer que "nomearam um Paul Bremer para Cuba", acrescentando que o americano jamais porá os pés no país.

Quatro décadas de rivalidade

Desde o triunfo da Revolução Cubana em 1959, Havana e Washington têm trilhado caminhos antagônicos.

EMBARGO ECONÔMICO: Adotado pelos EUA em outubro de 1960 em resposta ao confisco de bens americanos, com rompimento de relações em janeiro de 1961. Em 1998, Fidel estimou que Cuba já sofrera na época um prejuízo de US$60 bilhões pelo embargo.

BAÍA DOS PORCOS: Em 1961, mais de mil exilados armados e treinados pelos Estados Unidos desembarcam na Baía dos Porcos, na esperança de desencadear uma revolta contra Fidel. Os invasores foram derrotados.

CRISE DOS MÍSSEIS: Em 1962, a União Soviética instalou secretamente mísseis em Cuba. Em outubro, os EUA descobriram e bloquearam a ilha. A ameaça de guerra nuclear só desapareceu quando Moscou aceitou retirar os mísseis.

LEI HELMS-BURTON: Após a derrubada de duas avionetas de exilados da Flórida em espaço aéreo de Cuba, em 1996, a lei intensificou o embargo, estabelecendo castigos para empresas estrangeiras que investissem em propriedades americanas confiscadas. Clinton adiou várias vezes sua aplicação.

DISSIDENTES: Os EUA têm apoiado organizações anticastristas, muitas delas baseadas na Flórida, onde há mais de um milhão de cubano-americanos que influenciam fortemente a política de Washington para Cuba.

MAL DE PARKINSON: Recentemente, um relatório da CIA indicou que Fidel sofre de mal de Parkinson. Dias depois, o ditador fez um discurso de cinco horas em pé para mostrar que está bem.

ÁFRICA: EUA e Cuba se enfrentaram indiretamente nos anos 60 no Congo e nos anos 70 em Angola, para onde Fidel mandou 30 mil soldados em apoio aos comunistas ameaçados pela intervenção da África do Sul, que tinha o suporte de Washington.

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