Título: Dirceu é cassado
Autor: Gerson Camarotti, Isabel Braga e Maria LIma
Fonte: O Globo, 01/12/2005, O País, p. 3

Por 293 votos a 192, o ex-todo-poderoso do PT e do governo Lula é expulso pela Câmara

José Dirceu de Oliveira e Silva, 60 anos, o homem que comandou com mão-de-ferro seu partido até levá-lo à Presidência da República, é o primeiro deputado federal do PT a ter o mandato cassado. Depois de 40 anos de vida pública, foi expulso da Câmara por 293 votos a 192, numa votação histórica que marcará para sempre tanto o PT como o governo Luiz Inácio Lula da Silva, do qual foi o homem forte na negociação política até perder a chefia da Casa Civil em junho por denúncias de corrupção. Sob a mesma acusação, está agora sem o mandato. Depois do longo processo, iniciado quando o também cassado deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) o acusou de comandar o escândalo do mensalão, o plenário da Câmara não esboçou qualquer reação quando o presidente da Casa, Aldo Rebelo (PCdoB), anunciou o resultado, nove minutos após a meia-noite de ontem.

Dirceu lutou até o fim. Além dos recursos à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e de três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), ontem ainda apelou aos deputados dizendo que não pedia ¿misericórdia nem clemência, mas justiça¿. Negou todas as denúncias e disse ter as mãos limpas. Não convenceu. Sequer pôde contar com o presidente Lula, que o abandonou à própria sorte. Horas antes, por seis votos a cinco, o STF autorizara a Câmara a dar continuidade ao processo, levando Dirceu a julgamento no plenário.

Cansado, Dirceu nem esperou pelo começo da contagem dos votos. Preferiu acompanhar de seu apartamento o resultado da batalha desses longos cinco meses que o ex-líder estudantil, ex-guerrilheiro e ex-exilado acostumado a grandes embates chamou de os piores de sua vida.

A oposição conseguiu ultrapassar em 36 votos os 257 necessários para expulsar Dirceu. O placar final foi mais apertado do que o que cassou, em 14 de setembro, o mandato do algoz do petista, Roberto Jefferson (313 votos a 156).

Exatamente 1.127 dias depois da vitória de Lula, em 27 de outubro de 2002, a cassação de Dirceu ¿ que só poderá voltar a disputar um cargo eletivo quando tiver 70 anos de idade, em 2016 ¿ devolve enfraquecido ao partido aquele que foi seu mais forte e aguerrido líder. Bem diferente de três anos atrás, quando em um hotel da Avenida Paulista, cercado de aliados e companheiros do PT, ele comemorou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a chegada de sua geração ao poder.

Porta aberta para novas cassações

A expulsão de Dirceu abre caminho para a cassação de mais 12 parlamentares do PT, do PTB , do PFL, do PL e do PP. Ao deixar o plenário, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), da lista dos cassáveis, não escondia sua decepção e preocupação. Ao se despedir de Dirceu, fez uma pergunta que lembra a famosa poesia de Drummond:

¿ E agora, José?

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, não quis votar. Visivelmente abatido, ao fim da apuração, proclamou o resultado ¿ houve oito abstenções, um voto em branco e um nulo ¿ mas não quis ler o trecho do decreto de cassação de Dirceu, que oficializa a perda do mandato. Aldo não quis comentar o resultado. Provocado, antes, pelo líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), se não iria votar, o presidente da Câmara respondeu que não precisava, que havia jurisprudência que o amparava. Prometeu falar sobre o resultado hoje.

Com 101 votos de diferença, Dirceu perdeu o mandato por quebra do decoro parlamentar, sob a acusação de chefiar o valerioduto, um grande esquema de corrupção envolvendo repasse de recursos de empresas públicas para o PT, que por sua vez o entregou a partidos aliados.

Dirceu acompanhou toda a votação no plenário. Permaneceu até quase o fim da votação conversando com parlamentares de todos os partidos. Esforçou-se enormemente para demonstrar tranqüilidade. Riu, fez brincadeiras, mas teve diversos momentos de tristeza, quando ficava cabisbaixo.

¿ Foi um resultado absolutamente normal. Essa margem de 101 votos já era esperada. Isso mostra que não adianta fazer esforço protelatório, pois não muda a cabeça de ninguém. O resultado não deixa dúvidas de que Dirceu comandou todo o processo de corrupção no país ¿ disse o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL).

No apartamento funcional da Câmara, na Asa Sul, minutos depois de proclamado o resultado, chegaram os amigos mais fiéis de Dirceu na Casa: João Paulo Cunha (SP), Professor Luizinho (SP) e Paulo Rocha (PA). Mais cedo, antes do início da sessão de votação, Dirceu recebeu um telefonema do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.

¿ Liguei para desejar boa sorte. Estou na torcida ¿ disse o ministro, quando saía do Planalto, antes de encerrada a contagem de votos.

Na vaga de Dirceu assume a suplente petista Maria Ângela Duarte. O deputado cassado marcou uma entrevista para hoje, às 14h30m.

¿ Este processo é um ensinamento para o próprio PT, que no passado pedia cassação por critérios políticos. Estamos amargando um pouco da nossa postura de antes ¿ encerrou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).

A REPERCUSSÃO, A VOTAÇÃO DO SUPREMO E O DISCURSO DE DIRCEU das páginas 4 a 11