Título: `Não aceito e vou lutar até o fim da minha vida¿
Autor:
Fonte: O Globo, 01/12/2005, O País, p. 8A
Em discurso de improviso de 41 minutos, Dirceu diz que sua biografia e sua história estavam em jogo no julgamento
Depois de cinco meses volto à tribuna da Câmara dos Deputados. O país, essa Casa e todos os senhores e senhoras são testemunhas que travei um combate de peito aberto. Não renunciei ao mandato de deputado federal, não critico quem o fez. Mas não poderia fazê-lo, não teria condições de olhar hoje como estou olhando para cada deputado, cada deputada e todo o Brasil. Porque depois de 40 anos de vida pública que o país conhece, do dia para noite fui transformado em chefe do mensalão, em bandido, no maior corrupto do país. Evidentemente que tinha como dever, para honrar o mandato que o povo de São Paulo me deu, honrar cada deputado e cada deputada, honrar esta Casa, de lutar até provar minha inocência. E digo e repito, não como bravata, mas como compromisso de vida, que qualquer que seja o resultado que esta Casa decida hoje, eu vou continuar lutando até provar a minha inocência. Por que me insurgi contra o processo a que fui submetido, de linchamento público, de prejulgamento? Porque isso viola os mais elementares direitos de todos os brasileiros e brasileiras. Todos nós que estamos aqui juramos a Constituição do Brasil, juramos defendê-la, portanto, eu quando bati às portas da Comissão de Constituição e Justiça, quando apelei para este plenário, para esta Casa soberana do povo, quando fui à corte máxima do país, ao Supremo Tribunal Federal, não o fiz apenas para defender meus direitos. (..) Nunca me neguei a ser investigado, não é verdade que fui aos tribunais ou à Comissão de Constituição e Justiça para ganhar tempo. Não temo o julgamento de meus pares, como não temi o Conselho de Ética ou as CPIs mistas, não temi o depoimento na Polícia Federal. Acredito que é dever meu, obrigação, como cidadão e mais como homem público. Quero ser investigado. Quero que antes que termine esse ano de 2006, que o inquérito da Polícia Federal, o Ministério Público, as CPIs apresentem para a Justiça os relatórios, os pedidos de indiciamento ou não, e que a Justiça se pronuncie. Não pedi impunidade. Discuti no Supremo Tribunal Federal o foro no qual eu deveria ser julgado e o fiz baseado na jurisprudência, nada que fiz foi feito de forma leviana ou chicana como muitos afirmaram e o fizeram de uma forma indevida. (...) Quero restabelecer essa verdade, para que não fique nem na minha biografia, nem desta Casa, que um deputado procurou se escusar na impunidade ao discutir o foro privilegiado. Quero repetir o que disse durante esses seis meses ao Brasil: não há provas contra mim, não quebrei o decoro parlamentar. Os deputados e deputadas desta Casa, pelo menos grande parte, conviveram comigo durante 11 anos de mandato; o Brasil me conhece como deputado estadual, como deputado federal, me conhece como servidor da Assembléia Legislativa de São Paulo, como candidato a governador e como deputado estadual. Fui empresário no Paraná, líder estudantil, vivi na clandestinidade nos anos da ditadura, nunca fui processado. Não que isso seja uma desonra, porque muitos e muitas foram processados e inocentados, mas nunca fui processado. Nunca respondi, nem como deputado estadual e federal, nem como ministro. Fiquei 30 meses na Casa Civil, não tenho ação de improbidade administrativa, por tráfico de influência, por crime de responsabilidade, tive minhas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas da União, nunca recebi sequer uma advertência da Comissão de Ética Pública ou da Controladoria-Geral da União. (...) Pergunto para cada líder que está aqui, da oposição e da base do governo, para cada deputado e deputada, para todos os empresários do país, para todos aqueles que fizeram ou receberam de mim 25 mil telefonemas, para todos aqueles que tiveram comigo milhares de audiências, se algum recebeu de minha parte alguma proposta indecorosa, alguma proposta ilícita, que ferisse o interesse público. (...) Do que sou acusado? Sou acusado de ser chefe do mensalão. A Câmara sabe que não sou chefe do mensalão. Cada deputado, cada deputada que está aqui, sabe que isso não é verdade. Jamais propus para qualquer deputado ou deputada compra de votos. Esta Casa, aliás, está me julgando, mas também está se colocando em julgamento. O relator do Conselho de Ética, deputado Jairo Carneiro, foi claro em seu parecer, deixou claro que não estava comprovada a existência do mensalão. Tivemos uma CPI da compra de votos que não comprovou a existência do mensalão. Não tive participação, nenhuma, jamais, em qualquer negociação escusa, para votar qualquer projeto do governo.(...) Não é verdade que houve compra de votos, o país sabe o que houve: repasses de recursos de dívidas para campanha eleitoral e o PT, meu partido, já está respondendo por isso na justiça eleitoral comum, já tomou medidas disciplinares, já assumiu os seus erros, já pediu desculpas ao país. Nós sabemos também que a origem dos recursos até agora ¿ a não ser que a CPI dos Correios comprove e depois a Justiça prove, julgue e condene ¿ não há prova de que houve recurso público, não há nenhuma prova que houve recursos de origem ilícita. Se eu tivesse participado de alguma decisão que hoje está sob análise e julgamento, teria assumido no primeiro dia. Sempre fiz isso. Nunca na minha vida, nem quando estava em risco de morte, disse àqueles que me prenderam, àqueles que me processaram que não pratiquei os atos que pratiquei. Respondi os processos, fui condenado e fiquei condenado à morte neste país, na prática, e voltei clandestino, porque tinha assumido uma luta contra a ditadura, pela resistência armada. Não sou cidadão ¿ não vou dizer homem porque é machismo ¿ de negar o que eu pratiquei. Não participei das decisões da direção nacional do PT, da executiva, não era membro. (...) Se tivesse participado, teria decidido, deliberado, todos saberiam da minha participação. Não vou assumir aquilo que não fiz. Não vou. Não fiz e não assumo. (...) Não tive nenhuma participação, direta ou indireta, no repasse de recursos para campanha eleitoral, todos os senhores e senhoras sabem. Quais são as acusações que me fazem então? De que eu devia saber. Mas essa acusação não pode ser aceita por nenhum juiz, por nenhum tribunal. E quero lembrar: não existe mais cassação política nesse país, nessa democracia, sob a égide dessa Constituição que nós juramos. Não aceito e vou lutar até o fim da minha vida se for cassado por razões políticas. Não posso ser cassado porque fui presidente do PT, não posso ser cassado porque coordenei a campanha do presidente Lula, não posso ser cassado porque fui ministro da Casa Civil, não posso ser cassado pela minha história e nem acredito que a Casa o faça. A Casa o fará se encontrar uma prova contra mim, uma prova material e não pedaços de depoimentos que os próprios depoimentos contradizem como eu vou mostrar. Porque não há nexo, materialidade, não prova material contra mim. Eu não sou réu confesso. Jamais assumi a minha culpa naquilo que não fiz. Cometi muitos erros políticos e estou pagando por eles, já reconheci de público e não é aqui e agora, nessa tribuna, nesse momento, com o tempo que tenho, que devo expor isso. Exporei no congresso de meu partido, exporei, se for necessário, nesta Casa. Mas são erros políticos, jamais algo que seja ilícito, algo que eu me envergonhe ou que possa envergonhar essa Casa. Quero repetir: tenho as mãos limpas. Vamos às acusações. Ligações com Marcos Valério (...) Todos sabem que não há um telefonema com o Marcos Valério, nem uma reunião minha com ele sozinho.Ele foi à Casa Civil acompanhando o Banco Espírito Santo, acompanhando o Banco Rural e acompanhando a Usiminas, prestando serviços às instituições. Nunca tratei com ele nada que não fosse público. (...) Não há nada que prove que eu fiz qualquer tráfico de influência, que eu fiz qualquer relação escusa com o BMG e com o Banco Rural. Fico constrangido de ter que explicar a relação comercial da minha ex-esposa, mãe de minha filha, Ângela Saragoça, porque não participei ¿ e todos os depoimentos de todos que participaram dizem expressamente que não participei. Ela diz em sua carta, e o relatório ocultou isso, que me procurou, e eu disse a ela: não posso, não devo, não a ajudo e não tenho condições, pelas condições de todos nós, de aumentar a pensão; você tem que procurar resolver esse problema pessoalmente. Ela buscou seu círculo de amigos ¿ estou separado dela há 15 anos. Não posso aceitar isso. É uma ignomínia contra uma mulher que trabalha no BMG, que paga corretamente o empréstimo que fez junto ao Banco Rural e que não fez nada de má-fé nem com intenção de dolo. (...) Meu filho era Secretário da Indústria e Comércio e Turismo de Cruzeiro do Oeste, era secretário-adjunto, em Umuarama, da Secretaria de Emprego e Renda do Governo do Paraná. Tinha o direito e o dever de vir a Brasília, de percorrer os Ministérios e a Casa Civil para buscar recursos para suas cidades, para o seu Estado, e o fez legitimamente sem traficar influência, sem ilegalidade. Fizeram uma devassa na vida dele; publicaram antes o processo administrativo; anunciaram que fariam a denúncia, que depois fizeram, e me envolveram sem ter uma citação a meu respeito no processo administrativo, sem ninguém me envolver, para agravar a minha situação no Conselho de Ética. Não é verdade que participei de negociações financeiras com o Sr. Duda Mendonça e nem com o Sr. Valdemar Costa Neto. É só olhar o depoimento dos dois nas CPMIs; é só quebrar sigilo bancário e telefônico. Repetiram à exaustão que eu telefonava para Genoino a partir de telefonemas do tesoureiro do PTB; quando quebraram o sigilo telefônico, não acharam nada. Não posso aceitar denúncias vazias.
Estou disposto ¿ e peço desculpas pela veemência ¿ , a continuar respondendo cada acusação, cada denúncia que surgir contra mim em qualquer instância deste País. Porém, onde quero lavar a minha honra, onde quero ser inocentado é nesta Casa. (...) Repito: servi ao governo do presidente Lula durante 30 meses com honra, orgulho e paixão. A pior coisa da minha vida foi sair do governo. Saí porque entendi que não ajudaria o governo nem o Brasil ficando depois de todas as denúncias que foram feitas. (...)Eu tinha de fazer o que fiz nesses 5 meses, e todos aqui sabem o que eu passei nesse período. Não foi fácil chegar aqui hoje em condições de me defender. Foi graças ao apoio de centenas de milhares de brasileiras e brasileiros anônimos, das pessoas do meu gabinete, do meu advogado ¿ e peço desculpas por ter usado o tempo dele ¿ , de centenas de deputadas e deputados, de governadores e prefeitos, de amigos e amigas, no governo e fora dele, do meu partido, enfim, da minha bancada, que fiquei de pé e cheguei até aqui. Sou um sobrevivente. Não tenho valor pessoal próprio, qualidades especiais. Aprendi tudo o que sei em diferentes fases da vida política, social e cultural do nosso País. Por razões da vida, não fui assassinado, não caí em combate, não virei um desaparecido. Por razões da vida, quando cheguei em São Paulo, aos 14 anos, consegui emprego como office-boy e consegui estudar. Não virei mais um brasileiro no crime, na delinqüência. Cheguei até aqui graças ao nosso povo, porque o Brasil só vem melhorando, só vem avançando. (...) Meu partido cometeu erros, mas se colocarmos na balança tudo que o PT fez ¿ como fizeram muitos partidos, cada um à sua maneira ¿ pela vida política, social e econômica; pelos avanços sociais, econômicos e políticos do Brasil, veremos que ele tem mais crédito que débito, e o povo saberá julgar isso nas próximas eleições. (...) Como não temo as investigações, sei que o Presidente não as teme, nem do Ministério Público, nem da Polícia Federal e nem das CPIs, porque, no final, ficará provado que o presidente, os ministros, enfim, o governo não tem participação direta, seja por omissão ou por autorização,nos fatos que estão sendo analisados. Repito: se há corrupção, ela precisa ser apurada, comprovada e os responsáveis punidos. (...) Cheguei a um ponto que a minha situação se transformou em agonia, em degola, em inferno, em fuzilamento político. Degola política existia na República Velha. Não podemos permitir, e peço vênia para me expressar assim, que esta Casa se transforme num tribunal de degolas políticas. Se houver uma prova contra mim no relatório, como disse o relator no caso Sandro Mabel, que seja robusta e cabal para me levar à condenação por quebra de decoro parlamentar. Aí, sim, aceito que a Câmara dos Deputados discuta e casse o meu mandato. Já disse de público, e fui criticado, que a cada dia mais acreditava na minha inocência. Quando disse isso, foi porque o ônus da prova tinha sido invertido, a produção da culpa tinha sido invertida. Refleti muito sobre os erros que tinha cometido, sobre cada ação praticada na Casa Civil, as relações que mantive com empresas, com os partidos e com a Câmara dos Deputados, mas não encontrei nada que me levasse à quebra do decoro parlamentar. Não podemos transformar esta Casa num tribunal de exceção. Não pode haver ¿ e não concordo com o Conselho de Ética e com o relator ¿ relaxamento processual nem rito sumário sobre matéria que não consta da Constituição ou dos códigos. O que aconteceu, por pressão da opinião publicada? Formou-se uma opinião pública neste país que exigia desta Casa a cassação, o mais rápido possível, de deputados acusados, independente do devido processo legal. Essa é a verdade. Não a esconderei. Já mostrei ao país, desde a carta que enviei às senhoras e senhores deputados, o papel que determinados setores da imprensa vêm desempenhando neste país. Muitas vezes, a imprensa tem sido de oposição ou partidarizada, mas ela precisa assumir que é de oposição ou partidarizada. Já que temos o direito de dar entrevistas e responder a ela, que assuma sua posição. Não vejo nenhum problema de a imprensa assumir determinado partido, bandeiras ou campanhas, como aconteceu no plebiscito do desarmamento, quando alguns órgãos de imprensa apoiaram o sim e outros o não. É melhor para o país que seja de maneira transparente, clara, aberta. Quero ter o direito de dizer que muitas denúncias que surgiram e passaram a ser investigadas eram vazias e foram promovidas por setores da imprensa. Muitas conclusões foram tomadas pela imprensa antes ou mesmo sem que investigações fossem feitas. Não temo a imprensa livre, porque seria antidemocrático. Pelo contrário, sempre defendi e sustentei a liberdade de imprensa, inclusive com risco de vida, até que a conquistamos com a promulgação da Constituição de 1988. Não posso ser cassado porque era o todo-poderoso, porque não atendia telefonemas, não marcava audiências ou por causa de minha personalidade. Minha cassação significa a cassação dos direitos políticos por dez anos, até 2016. Isso é uma violência contra meu direito de cidadão e parlamentar eleito e contra os que me elegeram, a não ser que haja prova robusta e cabal de que quebrei o decoro parlamentar. Considero uma violência contra 40 anos de vida pública de alguém que dedicou sua vida ao país. Lamento e me sinto constrangido em ter de afirmar isso aos senhores e senhoras. Sou obrigado a fazê-lo, porque é minha vida, minha biografia e minha história que estão em jogo hoje. Falo com serenidade. Todos sabem que acatarei qualquer resultado e continuarei minha vida de cidadão na política. Não me dobrarei, não cairei, continuarei lutando, de maneira simples e humilde, sem as condições de parlamentar ou dirigente político. Terei de refazer minha vida por cinco ou dez anos. Peço a cada deputada e deputado que se coloque no meu lugar. Como é possível cassarem meus direitos políticos sem provas e até 2016, quando estarei com 70 anos de idade? É verdade que, com a medicina atual, devo ter ainda 30 anos de vida, pois estou com 59, mas é uma ignomínia, uma violência política sem precedentes. Todos sabem que sou um defensor do governo do presidente Lula e considero este governo o que mais avançou no Brasil nos últimos 20 anos. Cometeu erros, tem insuficiências, não cumpriu muitas tarefas, mas tem avanços importantes que estão sendo discutidos e serão julgados nas urnas. (...) Sr. presidente, não vou fazer uso de todo o tempo que me foi concedido. Tenho interesse de que a Câmara conclua a votação. Quero acordar como um cidadão que prestou contas à Câmara como deputado. (...) Enviei para cada deputado e deputada uma carta e minhas defesas. Todos sabem o sacrifício que isso significou porque sabem qual é a estrutura do gabinete, sabem o salário e a verba indenizatória que têm, sabem as condições em que exercem o mandato. Não fosse a ajuda de centenas de milhares de brasileiros e brasileiras, eu não teria podido travar essa luta. Não quero misericórdia. Não quero clemência. Tenho repetido para cada um e cada uma de vocês: Quero justiça. (Palmas.) Que cada deputado vote com a sua consciência. Nunca agravei nenhum deputado ou deputada. Nunca agravei nenhum membro do Conselho de Ética. Nunca fiz ataque pessoal. Nunca fiz crítica que não fosse jurídica e política. (...) Sei muito bem da responsabilidade política que tenho nestes últimos dez anos no Brasil. Sei também que essa responsabilidade não envolve ¿ quero repetir ¿ nada, nada que signifique quebra de decoro. Tenho compromisso com a luta contra a corrupção. Não há nada na minha vida que comprove o contrário. Em todos os cargos que ocupei, em todas as funções que desempenhei, combati a corrupção. E foi assim no governo do presidente Lula. Não fui omisso, não prevariquei e, muito menos, participei. Quero lembrar que esta Casa está me julgando, mas também está, na verdade, fazendo um auto-julgamento. Muito obrigado pela atenção. Vamos enfrentar a votação. Muito obrigado.