Título: `Não vou me dobrar, não vou cair¿, desafia Dirceu antes da votação
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 01/12/2005, O País, p. 7A

Em discurso emocionado, petista diz que vai lutar até o fim para provar inocência

BRASÍLIA. Na última chance de convencer os deputados a votarem contra sua cassação, o deputado José Dirceu (PT-SP) fez ontem em plenário o seu mais emocionado desabafo, às vezes em tom de despedida, pedindo justiça mas não misericórdia. Ele se definiu com um sobrevivente e confessou ter chegado a um ponto de verdadeira agonia, de inferno e de degola política.

Disse que queria amanhecer hoje como o cidadão que prestou contas à Câmara. Contestou as acusações de envolvimento no escândalo do mensalão, refutou qualquer relação com o empresário Marcos Valério de Souza e com os bancos Rural e BMG e debitou na conta do PT o erro de ter buscado os empréstimos por meio das empresas de Valério.

¿Saberei receber qualquer que seja o resultado¿

Dirceu disse que nos 30 meses em que esteve no governo não prevaricou, não se omitiu e nem participou de qualquer ato de corrupção. Disse que tem as mãos limpas e que sempre combateu a corrupção por onde passou. Apelou para os deputados, dizendo que não queria clemência nem misericórdia, mas justiça, e que seria uma violência encerrar uma vida pública de 40 anos, sem provas, e ficar até 2016 no exílio político. Disse ainda que, ao julgá-lo, a Casa estava fazendo um auto-julgamento.

¿ Falo isso com serenidade e tranqüilidade. Saberei receber qualquer que seja o resultado. Eu não vou me dobrar, não vou cair. Vou continuar na minha luta simples para provar minha inocência. Vou refazer minha vida em cinco, dez anos. Mas que cada deputado e deputada se ponha em meu lugar. Vou ficar dez anos fora da vida pública, até 2016. Vou estar com 70 anos. É bem verdade que com o avanço da medicina terei mais 30 anos de vida ¿ disse Dirceu.

O deputado disse que está disposto a continuar lutando em todos os foros para provar sua inocência, mas que fazia questão de ser inocentado pela Câmara:

¿ Estou disposto a continuar respondendo a qualquer acusação em qualquer instância, mas onde eu quero ser inocentado é nesta Casa, pois honrei o mandato que o povo de São Paulo me deu.

Muito aplaudido pelos aliados, Dirceu admitiu, por fim, que foi extremamente doloroso deixar o governo Lula. Todo o tempo ele defendeu o governo. Sobre o PT, disse que seu partido pode ter cometido erros, mas tem mais créditos do que débitos:

¿ Servi ao governo do presidente Lula por 30 meses com honra, orgulho e paixão. E digo aqui hoje: a pior coisa foi ter de deixar o governo.

Em diversos trechos do discurso, Dirceu disse que repelia as acusações, muitas das quais considera infundadas e alimentadas pela imprensa, e que estava sendo julgado por motivos políticos. Disse que nenhum tribunal aceitaria a perda de mandato de um parlamentar por motivos políticos, pois isso seria um fato estranho à democracia e às leis.

¿ Não posso ser cassado por minha história, pela minha biografia ou pela minha personalidade. Não sou réu confesso. Jamais assumi a culpa do que não fiz. Cometi muitos erros políticos e pago caro por eles, mas erros políticos, não ilícitos. Quero repetir: tenho as mãos limpas.

Emocionado, mas firme em seu discurso de improviso, que durou 41 minutos, Dirceu disse que era um sobrevivente, e que poderia ter sido assassinado durante a ditadura.

¿ Sou um sobrevivente, não tenho valor pessoal próprio ou qualidades pessoais próprias. Mas aprendi com a vida. Por razões de vida não caí em combate, não virei um desaparecido político. Cheguei em São Paulo com 14 anos e consegui um emprego, não virei delinqüente.

Petista nega novamente ter participado de negociações

Rebatendo cada acusação, ele disse que jamais tratou com Valério ou com qualquer empresário assuntos que não pudessem ser abordados em público.

¿ Não participei de negociações financeiras com o publicitário Duda Mendonça nem com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.

No início de seu discurso, disse que a Câmara se transformaria num tribunal de exceção se seu mandato fosse cassado sem provas de quebra de decoro.

¿ Degola política existia na República Velha, mas não podemos permitir que isso aconteça aqui. Se houvesse alguma prova contra mim, aceitaria a discussão da perda do mandato, mas não há nada que possa caracterizar a quebra de decoro parlamentar.

Ele acusou a imprensa de ser partidária e disse que não seria justo perder o mandato por causa de sua personalidade.

¿ Não posso ser cassado por não ter atendido telefonemas e por não ter marcado audiências; isso seria uma violência contra os meus 40 anos de vida pública", ressaltou.