Título: Antes do julgamento na Câmara, derrota no STF
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 01/12/2005, O País, p. 8B

Sepúlveda vota a favor de Dirceu mas tribunal segue voto de Peluso e autoriza deputados a concluírem processo

BRASÍLIA. Foi numa sessão tensa, com pauta inédita e muito debate sobre o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre questões políticas que o ex-todo poderoso chefe da Casa Civil José Dirceu viu ser derrubada sua última tentativa de interromper o processo de cassação por quebra de decoro parlamentar contra ele na Câmara. Os ministros do Supremo permitiram que o relatório do Conselho de Ética, que recomendava a cassação do petista, fosse lido no plenário da Câmara, sem necessidade de novo parecer, com exceção apenas dos trechos referentes ao depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, que acusou Dirceu de tráfico de influência.

A solução foi a alternativa ao impasse instalado no STF desde quarta-feira passada, quando o recurso de Dirceu começou a ser julgado. Naquele dia, cinco dos 11 ministros votaram pela continuidade da tramitação no processo na Câmara, sem qualquer mudança. Outros cinco argumentaram que o depoimento de Kátia Rabello, testemunha de acusação, foi tomado pelo Conselho após ouvir as testemunhas de defesa. Essa inversão teria tornado irregular o processo.

¿Prejuízos à defesa¿

Para resolver o problema, quatro ministros desse grupo defenderam que o caso retornasse ao Conselho de Ética para que a defesa fosse novamente ouvida. Um único ministro, Cezar Peluso, alegou que bastaria que fosse retirado o depoimento do relatório. O empate foi decidido ontem, quando o ministro Sepúlveda Pertence, que não havia comparecido à sessão da semana passada, levou seu voto ao plenário do STF.

Como era esperado, Sepúlveda concordou com o grupo de ministros que defendeu o retorno do caso ao Conselho para que novos depoimentos fossem realizados. Ao votar, ele argumentou que não havia empecilho algum para o Conselho convocar as testemunhas de defesa após o depoimento de Kátia Rabello. Ao contrário, disse, o colegiado teria marcado os depoimentos da acusação após os da defesa propositalmente, como confirmariam as datas nos convites aos depoentes.

¿ É uma formalidade essencial do processo que testemunhas de defesa sejam ouvidas depois. Não é possível que a contestação seja feita antes da acusação. A inversão das inquirições traz, por si mesma, prejuízo à defesa ¿ disse o ministro.

Após o placar da votação ter sido consolidado com cinco votos contrários aos interesses de Dirceu e seis a favor, o STF iniciou uma nova discussão, com a participação dos onze ministros, sobre qual seria a abrangência dessa decisão. Como não era unânime entre os ministros que davam a liminar a Dirceu se o processo deveria retornar ao conselho, optou-se por um meio-termo: a solução dada por Peluso, a de apenas retirar o depoimento de Kátia Rabelo.

Jobim: pela volta ao Conselho

A discussão para chegar-se a essa conclusão foi conduzida pelo presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim. Apesar de integrar o grupo que defendeu o retorno do processo ao Conselho de Ética, Jobim argumentou que o voto de Cezar Peluso seria mais adequado, pois representaria a metade do caminho entre a concessão e a negativa da liminar. Para explicar sua tese, fez uso até da matemática.

¿ Numa escala de zero a um, o voto do ministro Peluso está distante de um, mas não chega a zero ¿ explicou o ministro Jobim, querendo dizer que o zero seria correspondente à negativa da liminar e o um, o contrário.

Jobim acabou convencendo a maioria dos ministros a abraçarem essa tese. Votaram dessa forma os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie Northfleet e Carlos Velloso ¿ além do próprio Cezar Peluso. Apesar de ter articulado essa solução, Jobim acabou concordando com a volta do relatório ao Conselho na segunda votação de ontem.

¿ E a matemática, ministro Jobim? ¿ perguntou Velloso, que ficou sem resposta do presidente da corte.

Ao fim do julgamento, Nelson Jobim lembrou que é dever de todos, inclusive dos parlamentares, respeitar o direito de defesa.

¿ Deve ser obedecido o devido processo legal e a ampla defesa. O Estado democrático de direito impõe que todos, inclusive o Congresso Nacional, respeite os direitos e garantias individuais ¿ concluiu o presidente, no fim de uma das mais polêmicas e difíceis decisões do Supremo Tribunal Federal.