Título: Reencontro de duas famílias ilustres
Autor: Rodrigo Fonseca
Fonte: O Globo, 01/12/2005, Segundo Caderno, p. 1

Vários motivos levaram Nana, Dori e Danilo Caymmi a se associarem a Paulo e Daniel Jobim para mais um tributo a Tom, mas é a própria Nana (estrela do espetáculo, cantando lindamente ¿Foi a noite¿, ¿Esquecendo você¿, a semi-inédita ¿Canção para Michelle¿ e outras grandes canções) quem se apressa em esclarecer que o CD ¿Falando de amor ¿ Famílias Caymmi e Jobim cantam Antônio Carlos Jobim¿ não tem nada a ver com o LP de 1963 ¿Caymmi visita Tom e leva seus filhos Nana, Dori e Danilo¿:

¿ Tom não está mais aqui, e meu pai anda cantando troncho ¿ sentencia.

Um dos motivos é o medo que ela tem de gravar música inédita. Outro, lembrado por Danilo, é a estreita ligação estético-afetiva que une as duas mais ilustres famílias de nossa música popular. Uma terceira é a tocante pertinácia com que Paulo cuida da obra do pai, Tom, sempre pronto a descobrir nela novidades.

Neste CD, a primeira novidade é a letra de Vinicius de Moraes para ¿Bonita¿, canção que Tom lançou nos Estados Unidos com letra em inglês de Gene Lees e Ray Gilbert. Achada entre os papéis do poeta, na Casa de Rui Barbosa, a letra em português transforma a canção em ¿Bonita demais¿ e talvez nos livre para sempre dos oportunistas lyricists americanos. Outra novidade: os versos de Ronaldo Bastos para tema instrumental da série de TV ¿O tempo e o vento¿, agora transformado na citada ¿Canção para Michelle¿. Nana esperou quase 20 anos por eles. Também com sabor de nova é ¿Para não sofrer¿ (¿Velho riacho)¿, da qual, depois da gravação instrumental do grupo de Orlando Silveira, em 1956, não mais se ouviu falar.

No mais, tudo são citações, homenagens, reverências e recidivas. No clima, na sonoridade, nos arranjos de Dori e Paulo, Tom Jobim passeia por todas as faixas (um tanto menos quando Nana, personalíssima, canta o que lhe cabe). O CD abre com um ¿Samba do avião¿ que lembra o Tom dos grupos vocais de que ele tanto gostava. Em ¿Foi a noite¿, ¿Esperança perdida¿, ¿Eu sei que vou te amar¿, ¿Esquecendo você¿ e ¿Só em teus braços¿, impõe-se o Tom do começo, pré-bossa nova, ainda que, pelo menos na última, a atmosfera seja nitidamente joão-gilbertiana (não pela voz de Nana, mas pelo arranjo de Paulo).

¿Corcovado¿ tem introdução cantada por Paulo

Em ¿Corcovado¿ e ¿Bonita demais¿, esta sobre arranjo inspirado no de Claus Ogerman, Daniel não faz a mínima força para soar diferente do avô (¿Não me importo com as críticas nesse sentido¿). Em ¿As praias desertas¿ e ¿Outra vez¿, há ecos do LP ¿Canção do amor demais¿. ¿Anos dourados¿, por atenuar a sinuosidade do boleirão original e pelo tom grave escolhido por Dori, muda um pouco o quadro. ¿Desafinado¿, usada, reusada e abusada nos últimos 47 anos, talvez devesse ter ficado de fora, mas Paulo aventura-se na introdução raramente cantada e sai-se bem. ¿Para não sofrer mais¿ e ¿Canção para Michelle¿ são, mesmo, boas surpresas. A primeira, um samba como Tom gostava antes da batida diferente, Paulo e Dori dividindo os vocais, e a outra, graças a Ronaldo Bastos, ¿nova¿ canção de câmara, também como Tom gostava. ¿Falando de amor¿ e ¿Piano na Mangueira¿ são, em estilo, peças dos últimos tempos, embora a primeira seja de 1979.

O que resultou de tudo isso? Um bom disco. Simples, sem pretensões, sem grandes orquestras. Só Nana, os violões e as vozes de Dori e Paulo, o piano e a voz de Daniel, a flauta e a voz de Danilo, o baixo de Jorge Helder, a bateria de Paulo Braga, a percussão de Gordinho, a produção de José Milton. Somente isso, mas muito Jobim.