Título: Cavalo-de-pau no PIB
Autor: Cássia Almeida e Mariza Louven
Fonte: O Globo, 01/12/2005, Economia, p. 27

Juros altos, real valorizado e crise política fizeram economia cair 1,2% no terceiro trimestre

OBrasil encolheu entre julho e setembro deste ano. Juros altos por tempo demais, real valorizado e crise política fizeram o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todas as riquezas geradas no país) ficar 1,2% menor na comparação com o segundo trimestre, de acordo com as Contas Nacionais Trimestrais, divulgadas ontem pelo IBGE. É a menor taxa desde o início de 2003, ano em que o Brasil encostou na recessão e ficou estagnado, expandindo-se só 0,5%. Os números surpreenderam os mais pessimistas dos analistas, que esperavam, no máximo, redução de 0,5%.

Frente ao terceiro trimestre de 2004, o país continua avançando, porém, bem mais devagar: 1%, contra 4% observados no segundo trimestre. De janeiro a setembro, o PIB acumula alta de 2,6% e, nos últimos 12 meses, de 3,1%.

¿ Os juros são um fator limitante ao crescimento. E os impactos estão sendo sentidos ¿ disse o coordenador de Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto.

Consumo das famílias ainda está em alta

Os números pela análise da produção mostram a indústria andando para trás. O setor recuou 1,2% e a agropecuária encolheu 3,4%. Na indústria, a queda foi puxada pela construção civil, que caiu 1,9%, e pela indústria de transformação, com queda de 0,9%, a pior desde 2002.

¿ Na agropecuária, houve queda na safra das três culturas desse período: trigo (-11% frente a 2004), café (-11,8%) e laranja (-2,6%) ¿ disse Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE.

Para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a queda do PIB apurada pelo IBGE no setor ainda não reflete a profundidade da crise:

¿ A projeção para o ano é de uma queda de 10,5% na renda do setor agropecuário. O IBGE só considera as quantidades (quebra da safra) e não leva em conta os preços do setor. No caso da agricultura, a crise está sendo subestimada ¿ afirmou o chefe do Departamento Econômico da CNA, Getúlio Pernambuco.

Flávio Serrano, economista da Corretora Ágora Sênior, esperava expansão de 2% na agropecuária:

¿ É claro que as taxas de juros contribuíram, mas na agropecuária o câmbio também deve ter pesado.

Mas a valorização do real não afetou na intensidade esperada pelas contas de Caio Prates, economista do Grupo de Conjuntura da UFRJ. Na composição do PIB dos últimos quatro trimestres, a demanda externa (que perderia competitividade com o real mais caro) contribuiu com 0,9 ponto percentual no crescimento de 3,1%:

¿ No ano passado, essa contribuição foi de 1,1 ponto. Portanto, uma queda bem suave.

Pela lado da demanda, a surpresa veio do investimento. A formação bruta de capital fixo, que une o que se investiu para aumentar a capacidade produtiva e a variação de estoques na economia, ficou 0,9% menor em relação ao período de maio a junho e 2,1% contra o terceiro trimestre de 2004.

¿ Apesar de a queda ter sido maior que a esperada, não houve surpresa quanto à direção para baixo da economia. O resultado do segundo trimestre (alta de 1,1% contra o primeiro) foi um ponto fora da curva. O país vai crescer no máximo 3%, metade dos países emergentes. É uma coisa trágica o Brasil ter perdido esse período excepcional do crescimento internacional ¿ afirma Ricardo Carneiro, professor da Unicamp.

Mas o PIB não trouxe só notícias ruins. O consumo das famílias, que responde por 60% da economia e reflete como anda o mercado doméstico, manteve-se em alta. Contra o segundo trimestre subiu 0,8% e frente ao mesmo período de 2004, 2,8%, na oitava alta seguida. O crescimento do crédito de 23,9% do PIB em 2002 para 28,9% este ano explica esse comportamento favorável do consumo. Além disso, a massa salarial (soma de todos os rendimentos) cresceu 4,7%:

¿ A renda e o emprego finalmente cresceram ¿ disse Rebeca.

Mas, na opinião de Carneiro, o mercado doméstico pode começar a não conseguir carregar a economia brasileira no próximo ano. Ele cita a a desaceleração na criação de vagas e no aumento da massa salarial:

¿ Mesmo com o crescimento do crédito, as taxas de juros são muito altas. Isso acabará inibindo a expansão dos financiamentos pelos bancos, que temem a inadimplência.

Pedro Paulo Bartolomei da Silveira, economista-chefe da Global Invest, acredita que a crise política arrefeceu a confiança dos empresários. E isso apareceu no recuo da indústria e do investimento:

¿ O terceiro trimestre foi o auge da crise ¿ lembra.

FGV: `Mais pobres que os emergentes¿

Mesmo com os resultados ruins desse trimestre, as projeções são de alta do PIB no ano. Por isso, Rubens Penha Cysne, da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, prevê renda per capita também maior. Mas ressalva.

¿ A expansão da população é de cerca de 1,5% e a economia deve crescer no mínimo 2,5%. O lado ruim é que os outros países emergentes estão crescendo bem mais, o que torna os brasileiros mais pobres que eles ¿ afirmou Cysne.

COLABOROU Regina Alvarez