Título: A IGREJA AUTISTA É CONTRA O SEXO
Autor: CARLOS TUFVENSSON
Fonte: O Globo, 03/12/2005, Opiniao, p. 7

Há tempos escolheu-se o primeiro dia de dezembro para lembrar o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. O seu símbolo, o laço vermelho, que usamos do lado esquerdo do peito como forma de visibilizar a luta e demonstração de apoio. Através desta data, pretende-se fazer lembrar dos avanços, dos retrocessos, falar sobre política de saúde, lembrar dos que se foram, cobrar providências para que o futuro possa ser melhor. Enfim, que a luta continua.

Até a presente data, não foi descoberta uma cura para impedir o HIV de entrar nas células e se multiplicar, por sua característica de mutação dificultar ainda mais os trabalhos dos cientistas. Desta maneira, a única arma que temos é a prevenção. Há anos governos pelo mundo afora, pelos seus Ministérios da Saúde, vêm investindo milhões e milhões em recursos e esforços para tentar difundir o hábito que a comunidade científica internacional chegou à conclusão técnica como o único meio capaz de prevenir o contágio e, assim, impedir a propagação da epidemia: o uso da camisinha nas relações sexuais.

Num cenário em que um continente como a África está sendo dizimado pela epidemia e pessoas estão sendo contagiadas pela ignorância em relação ao assunto, parece-me um absurdo, um desserviço, um crime contra a humanidade grupos fundamentalistas religiosos, agora comandados pela Igreja Católica Apostólica Romana, sair de sua expertise que é a Religião para entrar na Saúde Pública, responsabilidade de médicos. E, assim, fazer uma verdadeira e indisfarçável Guerra Santa contra o uso da camisinha, usando seus diplomatas ¿ seus bispos e padres ¿- para propagar a mensagem de que a camisinha não é eficaz na luta contra a epidemia e que só a abstinência sexual pode evitar o contágio. Pessoas morrem por causa dessa desinformação.

Recomendam a solteiros, adolescentes, não-católicos e até aos católicos que se abstenham de sexo, uma prática saudável, perfeitamente recomendável e humana, quando mesmo seus ministros ¿ estes sim, que prestaram votos de castidade por escolha própria¿ não conseguem se abster de um instinto tão primário.

Será que a Igreja está tão longe de seus fiéis, dos seres humanos, para realmente achar que esta recomendação agora terá eficácia, já que nunca teve, e que o sexo será usado somente para procriação?

A guerra deflagrada pela Igreja Católica para que a camisinha não seja usada é tal ¿ quase como se fosse um pecado fazê-lo ¿ que li, pasmo, esta semana no GLOBO que uma de nossas melhores artistas, Daniela Mercury, católica, depois de ter sido convidada para o Concerto de Natal no Vaticano, já ensaiando e com passagem comprada até para sua família ser abençoada pelo Santo Padre, foi descortesmente desconvidada. Aliás, vetada! Qual a razão? Qual a blasfêmia? Qual a heresia? Ter aceito emprestar sua imagem à campanha do Ministério da Saúde do Brasil para a prevenção do contágio da doença! Um absurdo sem tamanho, uma falta de educação, uma perversidade sem espaço na prática dos ensinamentos de Cristo. Pior para o Santo Padre, e para os católicos, que deixarão de contar com a presença iluminada de uma das vozes mais bonitas, mundialmente consagrada, representando nosso país ¿ uma das maiores, embora cada vez menos, nações católicas¿, na celebração de data santa.

Infelizmente essa guerra político-ideológica evidencia uma Igreja em posição de absoluto autismo em relação aos seus fiéis. Isso não tem nada a ver com fidelidade conjugal, que fique bem claro. O sexo não existe somente para os casados. E não se pode, em nome de uma religião, ignorar essa realidade.

CARLOS TUFVENSSON é estilista.