Título: ESTRANGEIRO PISA NO FREIO
Autor: Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 03/12/2005, Economia, p. 33

Volume de investimentos externos na indústria está no menor nível desde 2000

Odólar enfraquecido frente ao real, as perspectivas de crescimento econômico pequeno a curto prazo e a crise política estão levando o investidor estrangeiro que aplica no setor produtivo a reavaliar seus planos para o setor industrial, o motor do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto das riquezas produzidas no país). Segundo os últimos dados do Banco Central (BC), a indústria respondia por apenas 30,9% ¿ ou US$4,836 bilhões ¿ do total dos desembolsos feitos no país entre janeiro e outubro. Trata-se do pior percentual desde 2000, levando em consideração anos fechados, quando a fatia ficou em 17%, e muito aquém dos 52,8% vistos em 2004.

¿ A situação tem-se deteriorado nos últimos meses, com o câmbio e os reflexos da crise política ¿ afirmou o economista sênior do banco Santander, Maurício Molan.

Com o dólar na casa dos R$2,20, fica mais caro para os investidores atuarem no país. A desvalorização da moeda em relação ao real pesa ainda mais para os exportadores, cujos produtos também perdem competitividade lá fora por causa do real mais forte. No ano a queda acumulada é de 16,77%. A crise política envolvendo o governo, argumentou Molan, também leva os investidores externos a repensarem as atuações no país, com incertezas sobre pontos considerados importantes, como a aprovação da reforma tributária pelo Congresso.

Em outubro, recuo de 60% frente a 2004

O movimento dos investidores estrangeiros coincide com o recuo de 0,9% dos investimentos totais (incluindo os nacionais) da indústria de transformação no trimestre passado, divulgado nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a menor taxa desde o primeiro semestre de 2002. Segundo o BC, em outubro o setor industrial recebeu apenas US$261 milhões em investimentos estrangeiros diretos, quase 60% a menos do que em igual período do ano passado. Os números não levam em consideração empréstimos intercompanhias.

Em todo o ano de 2004, o setor recebeu US$10,7 bilhões, número que foi inflado sobretudo pela operação de fusão da fabricante de bebidas AmBev com a belga Interbrew, formando a InBev, que movimentou cerca de US$5 bilhões. Neste ano, os recursos despejados na indústria por investidores estrangeiros somaram US$4,8 bilhões até outubro, mas também incluem uma operação da mesma AmBev, de compra de ações de minoritários (cerca de US$1,5 bilhão).

Outro fator que pesou, lembrou uma fonte do BC, foi a expectativa mais otimista para o crescimento da economia no país este ano, que acabou não se concretizando. No início de 2005, falava-se em expansão acima de 3,5% no ano e, agora, a projeção não ultrapassa 2,5%, inibindo ainda mais os investidores. Esta semana o IBGE divulgou que, no terceiro trimestre, o PIB teve queda de 1,2%.

Estimativa para este ano é de US$16 bi

O cenário mais complicado, no entanto, não chegou a afetar os investimentos externos no setor de serviços. Os dados do BC mostram que entre janeiro e outubro passados foram desembolsados US$10,035 bilhões, que respondem por 64,1% do total geral no período, que inclui ainda a agricultura. A cifra é 60% maior que a vista em igual período de 2004, mas se deve sobretudo à forte atuação das operadoras de telefonia celular, que travam verdadeira guerra pelo consumidor, demandando pesados gastos em tecnologia e marketing, entre outros.

¿ Existe uma tendência natural de o setor de serviços receber mais recursos, com a competição crescendo muito ¿ afirmou Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).

Para ele, o país receberá ao todo US$16 bilhões em investimentos estrangeiros diretos este ano, quase US$4 bilhões a menos que em 2004, devido, basicamente, ao setor industrial. Em 2006, entretanto, o cenário deve ser mais positivo, com apostas de crescimento perto de 3,5% do PIB. Para Corrêa, o país deverá receber cerca de US$18 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no ano que vem.

¿ Mesmo 2006 sendo um ano eleitoral, há consenso de que a linha mestra da política econômica não será afetada ¿ acrescentou o professor da PUC-SP.