Título: O passo atrás
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/12/2005, O GLOBO, p. 2
Este ano da grande lambança política, que expôs não apenas a capitulação moral do PT, mas a face tenebrosa do sistema político-eleitoral, termina sem que o Congresso tenha aprovado qualquer medida corretiva. Nem mesmo uma regrinha básica sobre arrecadação de fundos eleitorais. Na quarta-feira, a Câmara tentará aprovar a anti-reforma, o fim da verticalização das coligações partidárias. Se isso acontecer, além da involução política, teremos uma formidável confusão jurídica na campanha.
A matéria vai a voto mesmo sem acordo, assegura o presidente da Câmara, Aldo Rebelo. E acordo não haverá mesmo. Os partidos fizeram suas contas eleitorais, tomaram posição ou mudaram completamente de idéia sobre o assunto. Na sexta-feira, a executiva do PT fechou questão pela manutenção da regra imposta em 2002 pelo TSE ao interpretar a Constituição. O PSDB, que era a favor, deve deixar a questão aberta. Está dividido. Os pefelistas apóiam a emenda que revoga a regra, avaliando, nas palavras do líder Agripino Maia, que mesmo apoiando o candidato presidencial do PSDB, não podem ficar atrelados a apenas um aliado nos estados. O PMDB também quer liberdade. Só terá candidato próprio sem verticalização. Impedido de variar de parceiros nos estados, prejudicaria candidatos a governador com grande potencial de vitória. Os partidos médios que estão no centro da crise ¿ PTB, PL e PP ¿ não tendo candidato a presidente, também preferem o amor livre nas campanhas. Mas, mesmo entre eles, alguns acham que o preço de suas ações subirá se a regra permanecer. Em 2002, foi alegando a exclusividade da aliança do PL com o PT que Valdemar Costa Neto exigiu R$10 milhões dos petistas para financiar a campanha dos deputados de seu partido. O dinheiro só veio mais tarde, pelo valerioduto.
A coisas assim se referia certamente José Dirceu quando disse, em sua entrevista pós-cassação: ¿Todos sabem o que significa o fim da verticalização. Ninguém ignora as bases em que serão feitas as alianças¿.
Nem ele, especialista em acordos, nem os dos outros partidos. As coligações serão negociadas em pacotes e o caixa dois, compartilhado. Nada disso foi inventado por Delúbio Soares. Não podem é ser descobertos.
A verticalização não acabará com as mazelas, mas pelo menos exigirá que os partidos façam escolhas e corram riscos políticos ao invés de fazer negócios. Não se diz tanto que é preciso fortalecê-los? Com verticalização, também é verdade que a disputa presidencial pode ficar restrita aos dois partidos polares, PT e PSDB. Mas isso acontece porque eles, pelo bem ou pelo mal, conquistaram esta condição.
Este é o lado político, mas tem ainda o angu jurídico. Para começar, a maioria dos juristas acredita que a verticalização também não pode ser derrubada faltando menos de um ano para a data da eleição, como exige o artigo 16 da Constituição. Que nem mesmo uma emenda constitucional pode suprimir esta exigência, criada exatamente para evitar casuísmos, mudança de regra com o jogo iniciado. O TSE e o STF, se provocados, podem considerar a emenda extemporânea. O deputado Miro Teixeira é um dos que se dispõem a fazer a provocação se a emenda chegar a ser aprovada. Mas pode fazer maldade ainda maior. Pode deixar o barco correr e pedir a impugnação das coligações só depois que tiverem sido aprovadas, jogando vinagre na calda quando já não houver tempo para se fazer outra. Por tudo isso, os partidos devem pensar no que farão esta semana. A falta de acordo pode impedir este passo atrás.