Título: Dose amarga para pequenas
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 04/12/2005, Economia, p. 35

Juros altos travam firmas de menor porte, que têm crédito até 4 vezes mais caro

Em vez de 18 máquinas novas, apenas sete foram compradas. Dos 20 empregados que seriam contratados, só dez entraram na empresa. A produção, prevista para crescer 10%, aumentou apenas 3%. O cenário traçado no início do ano pelos diretores da Celbi Indústria e Comércio de Roupas, fábrica com 182 empregados e há 32 anos no mercado carioca, foi sendo abandonado pouco a pouco no decorrer do ano. O começo da frustração dos planos de ano novo da empresa veio com a continuidade da subida da Selic, a taxa básica de juros da economia, iniciada em setembro. A mesma taxa a quem os analistas e empresários culpam pela queda de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas geradas no país) no terceiro trimestre, divulgado pelo IBGE na última quarta-feira.

Os grandes números da economia brasileira refletem a situação vivida por milhões de pequenos empresários que viram o negócio parar ou crescer pouco, freado pelo efeito da elevação dos juros para 19,75% ao ano, patamar mantido até agosto. Na Celbi, houve corte de 20% nas encomendas para a coleção de verão de ternos e roupas masculinas.

¿ A partir daí, reduzimos nossos planos de crescimento. A situação complicou com a burocracia dos empréstimos via BNDES. O projeto de compra de 18 máquinas demorou cinco meses para ser aprovado. Mesmo assim, abaixo do valor pedido. A linha de crédito mais barata só ia até R$358 mil. Precisávamos de R$550 mil, para não perdermos mercado para os importados ¿ conta Celso Filho, sócio e diretor comercial da indústria.

Federação do comércio: juros desmontaram o investimento

Buscar o dinheiro restante nos bancos foi uma idéia logo abandonada pela empresa. Para os pequenos empresários, a taxa está entre 70% e 80% ao ano, sendo que 55% desse custo vêm da Selic, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Essa taxa é até quatro vezes maior que a cobrada hoje em média das grandes companhias.

Quando a Selic aumenta, as taxas sobem mais cedo ou mais tarde. O empréstimo só começou a baixar em agosto, um mês antes do início da queda da Selic, mas quando os sinais de que o Banco Central começaria a reduzir a taxa já estavam presentes.

¿ Essa distância entre a taxa básica (hoje em 18,5% ao ano) e os juros no balcão do gerente é explicada pelos impostos diretos (19,10%), indiretos (8,24%), despesas administrativas (16,11%), risco de inadimplência (19,10%) e margem de lucro das instituições (37,45%) ¿ explica Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac.

Para grandes empresas, os juros estão hoje entre 20% e 30% ao ano, segundo Oliveira, em razão do baixo risco de inadimplência e do volume da operação. E para os consumidores, que têm risco maior, a taxa de juros chega a encostar em 150% em média.

Mas o fator mais importante a minar a expansão de grandes e pequenos está no recuo das expectativas. Fabio Pina, assessor econômico da Fecomércio de São Paulo, lembra que os juros atuam diretamente no ânimo do empresário:

¿ Dá uma gelada na confiança. Lentamente, ele vai desmontando o investimento.

E as linhas de crédito para pequenas e microempresas oferecidas pelo BNDES, como a usada pela confecção Celbi, estão distantes do dia-a-dia dos pequenos, segundo Pina.

¿ Os próprios bancos deixam de informar as linhas ao cliente. Eles acabam não conseguindo levantar o dinheiro para investir ¿ reclama.

Mas são obrigados a usar para financiar o dia-a-dia da empresa, com o desconto de duplicata (antecipação do dinheiro que virá dos fornecedores), no qual são cobradas em média de 2% a 4% ao mês.

¿ Tem empresário que usa cheque especial, uma das modalidades mais caras do mercado ¿ diz Pina.

A oftalmologista Flávia Guedes também recorreu ao BNDES para comprar máquinas para o consultório:

¿ Mas eu sou uma exceção, meus colegas raramente se arriscam. Os juros são muito altos. Para mim, foi a primeira vez e acho que a última.

CRESCIMENTO MENOR PODE PIORAR DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, na página 36