Título: Crescimento menor e juros altos podem piorar distribuição da renda
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 04/12/2005, Economia, p. 36

Custo financeiro foi de 8,47% em setembro e avança no PIB brasileiro

O pagamento de juros da dívida pública correspondeu a 8,47% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas no país) em setembro, um ponto percentual acima da proporção verificada no mesmo mês do ano passado. O dado é do Banco Central, e ainda não incorpora a queda de 1,2% na atividade econômica ocorrida no terceiro trimestre, divulgada esta semana. Ou seja, o peso dos juros foi ainda maior, porque incidiu sobre um conjunto de riquezas menor. Para alguns economistas, isso pode significar piora na distribuição da renda, já que as classes alta e média-alta são as que mais se beneficiam das aplicações financeiras.

¿ Com um PIB menor e juros maiores, sobra menos para as demais classes de renda ¿ afirma o professor Fernando Cardim de Carvalho, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ritmo mais lento da economia freia queda da pobreza

O PIB é composto por quatro tipos de renda: lucros, juros, salários e aluguéis. Quando uma delas avança sobre as outras, piora o que os economistas chamam de distribuição funcional da renda. Segundo Cardim, a comemorada diminuição da pobreza, revelada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004, também pode ser freada pelo menor crescimento. A Pnad está relacionada à renda do trabalho, que foi impulsionada em 2004 por um PIB 4,6% maior.

Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concorda que o ritmo mais lento da economia pode desacelerar a queda da pobreza. Mas, segundo ele, uma expansão de 3% ainda reduziria a pobreza em cerca de um ponto percentual. Já em relação à desigualdade, o economista discorda de Cardim:

¿ Ela vem diminuindo sistematicamente no Brasil, apesar dos altos juros.

As grandes reduções de pobreza no Brasil aconteceram em anos eleitorais. Por isso, a queda em 2004, fora do calendário político, foi tão positiva, opina o chefe do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Néri. Segundo ele, no passado produziam-se planos de estabilização, como o Cruzado, o Verão e o Real, antes das eleições. Agora se fazem políticas de renda que produzem mágicas:

¿ Aposto que em 2005 a pobreza vai cair mais de 8%.

O Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo, atenderá a oito milhões de famílias em 2005 ¿ dois milhões a mais do que em 2004 ¿ e 11,6 milhões em 2006. Néri acha que o Bolsa Família é positivo, mas defende políticas para a melhoria mais sustentável na renda dos pobres.

Para Carlos Mussi, economista da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), das Nações Unidas, o Brasil já desenvolveu mecanismos para reduzir o impacto das oscilações do PIB sobre as pessoas. Este ano, além dos programas de distribuição de renda, incluindo a previdência rural, contribuirá positivamente o crescimento de 2% do rendimento real do trabalho até setembro.

Um aumento do PIB de até 3% em 2005, insuficiente para gerar empregos no mesmo ritmo de crescimento da população economicamente ativa, leva o diretor da Associação Brasileira de ONGs (Abong) e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Jorge Durão, a achar alto o preço do controle da inflação:

¿ Lula comemora os resultados da Pnad sem atentar para que, nesse ritmo, o povo estará condenado a viver muitas décadas com a marca infame de ser uma das sociedades mais desiguais do mundo.