Título: Madame presidente¿, a esperança da esquerda
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 04/12/2005, O Mundo, p. 44

PARIS. Se você puser Jean-Marie Le Pen e Jacques Attali na mesma sala, eles vão brigar sobre quase tudo. O veterano líder da extrema-direita e o sisudo socialista que foi assessor de François Mitterrand vêm de campos opostos da política francesa. Mas concordam em uma coisa. Ambos acham que Segolene Royal será a primeira mulher a se tornar presidente da República Francesa.

Eles não são os únicos a fazer tal previsão. Há poucos anos, fui a um comício socialista em Poitou-Charente, terra de madame Royal. O público entusiasmado chamava por ¿Sego¿, a elegante e bela filha de um oficial do Exército de direita. Um homem ao meu lado, um vereador de meia-idade, disse:

¿ Eu sabia disso há muito tempo. As pessoas dessa região sabiam. Segolene será a primeira mulher a se tornar presidente.

Por que, então, a meia declaração de Royal sobre seu possível interesse em concorrer à Presidência em 2007 (¿só se o partido me pedir... só se o momento for adequado¿) causou tanta zombaria e tantos insultos? Por que a maioria dos insultos veio de seu próprio partido? No momento em que Angela Merkel se torna a primeira mulher a governar a Alemanha, os políticos franceses enfrentam uma possibilidade bizarra e perturbadora: uma presidente madame.

Não é uma possibilidade que atrai os homens, mesmo os mais supostamente progressistas. Jacques Lang, o ex-ministro da Cultura e da Educação obsessivamente politicamente correto, disse que a Presidência ¿não deve ser um concurso de beleza¿. O ex-primeiro-ministro Laurent Fabius zombou de François Hollande, primeiro-secretário do Partido Socialista, marido de Royal e pai de seus quatro filhos:

¿ Talvez devêssemos ter uma Presidência rotativa (marido e mulher). Mas quem cuidaria das crianças?

É claro que Fabius e Lang têm ambições presidenciais. Mas isto não explica ¿ ou desculpa ¿ suas reações à declaração cautelosa de Royal.

A verdade é que a declaração condicional de Royal sobre seu interesse na Presidência produziu um coro de zombarias em grande parte pelo fato de ela ser mulher. Ela comentou:

¿ É como se todos os homens tivessem o direito de dizer que estão prontos para concorrer, mas nenhuma mulher tivesse esse direito. Esses comentários não refletem a opinião da grande maioria dos membros do Partido Socialista. As pessoas que fizeram essas observações insultaram elas próprias.

Pesquisas a apontam como o político socialista mais popular do país. A questão não é se Royal é a candidata perfeita para o partido. Não é. A questão é que ganhou o direito de ser levada a sério.