Título: EM BUSCA DE UM RUMO
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 04/12/2005, O Mundo, p. 44

Socialistas franceses, que inspiraram esquerda mundial, não conseguem aproveitar conflitos sociais para sair de crise

Da ascensão em 1981 com a eleição de François Mitterrand à queda humilhante no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002, enxotado pela extrema-direita. O Partido Socialista francês ficou 14 anos (1981-1995) no poder e saiu pela porta dos fundos. A 18 meses da eleição presidencial que vai eleger o sucessor do presidente Jacques Chirac, o partido que inspirou a esquerda no mundo não sabe o que quer nem para onde vai. Enquanto isso, a França assiste a uma virada para a direita, cada vez mais pronunciada.

A decadência do PS foi exposta na revolta dos jovens da periferia das cidades francesas, que assustou o país por três semanas no mês passado e resultou em nove mil carros incendiados, várias prisões e muitos estragos. Teoricamente, era um prato cheio para o PS faturar politicamente, já que a crise expôs uma fratura social e étnica, temas prediletos da esquerda. Os jovens pobres ¿ na sua maioria, filhos da imigrantes de ex-colônias árabes da França ¿ queixam-se de discriminação e de serem tratados como franceses de segunda categoria.

Pesquisas indicam Sarkozy como favorito para 2007

Mas quem ganhou com a crise foi o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. O segundo homem mais poderoso do governo de direita, que chamou jovens que queimavam carros de ¿escória da sociedade¿, ganhou pontos de popularidade, quando alguns apostaram que ele perderia. É o homem com maiores chances hoje de chegar à Presidência da França. Em duas pesquisas, a maioria dos franceses não apenas aprovou seus métodos como disse que ele era a pessoa mais qualificada para solucionar o problema.

Seu discurso duro foi tal ¿ expulsão de estrangeiros que participaram da revolta, restrição de imigração e de casamentos no exterior ¿ que deixou o líder da extrema-direita francesa, Jean-Marie Le Pen, na sombra. Le Pen também faturou: segundo uma sondagem da revista ¿Paris Match¿, o extremista ganhou mais cinco pontos percentuais de apoio. E tem quem aposte que ele vai repetir o feito de 2002, isto é, conseguir chegar ao segundo turno.

Henri Rey, especialista do Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof), põe panos quentes nos prognósticos alarmistas. Ele explica que o espaço político francês é dividido em três correntes: a direita parlamentar (moderada), a esquerda e a extrema-direita. Se a esquerda está dividida, a direita também está. A extrema-direita, por exemplo, é importante eleitoralmente, mas age sozinha: opõe-se sistematicamente à direita moderada e não busca qualquer aliança com o governo de direita. Ou seja, ela divide mais do que une.

¿ Mesmo se na opinião pública o total das forças de direita é majoritária, na consulta eleitoral a extrema-direita tem o poder de dividir ¿ aposta.

Amin, marroquino, motorista de táxi em Paris, ouve o nome de Sarkozy no rádio e começa a bradar que ele vai perder as eleições porque ¿cinco milhões de muçulmanos da França não são bobos e não vão votar nele¿.

Para Andrew Diamond e Jonathan Magidoff, dois historiadores americanos da Universidade de Lille, a esquerda francesa ficou paralisada e impotente diante do espetáculo de carros queimados porque ela ¿se recusou sistematicamente a reconhecer a dimensão racial das desigualdades sociais e sua dimensão política e cultural¿.

A pesquisa do CSA encomendada pelo ¿Le Monde¿ revelou que 52% dos franceses acham que o PS teria reagido ¿parecido¿ com a direita de Sarkozy. Jack Lang, um dos presidenciáveis mais populares do PS, que vai se ocupar do ¿projeto de desenvolvimento do PS¿, parte em defesa do partido, minimizando a importância do rival.

¿ É normal que numa situação extrema como esta (crise) as pessoas tenham se voltado para o governo (Sarkozy) ¿ disse ao GLOBO, por telefone.

Mas este é apenas um detalhe. Sem projeto definido, ou candidato único ¿ há um excesso de candidatos ¿ o PS patina no eleitorado. Numa sondagem feita no início de novembro pelo CSA, para o jornal ¿Le Monde¿, 52% dos entrevistados disseram que os socialistas encarnam ¿mal¿ um projeto de sociedade, e 57% acharam que eles ouvem pouco o que diz a sociedade. E mesmo entre os simpatizantes socialistas, a maioria aposta na derrota.

O fato é que o PS está profundamente dividido, desde que o referendo que derrubou a Constituição européia provocou um racha no partido: a direção, sob o comando de François Hollande, encampou o ¿sim¿ à Constituição, mas um grupo de políticos de peso saiu em campo pelo ¿não¿. No fim de semana passado, o partido reelegeu François Hollande para seu comando. Hollande, para tentar remediar as divisões internas, compôs uma direção com todas as correntes do PS.

Especialista diz que é cedo para fazer previsões

Henri Rey acha que é cedo para enterrar as chances dos socialistas e da esquerda nas eleições presidenciais de 2007. Ele aposta no desgaste da direita por causa da luta pelo poder entre Sarkozy e o primeiro-ministro Villepin. E diz que a popularidade de Sarkozy depois da crise da periferia pode se revelar uma faca de dois gumes: o ministro do Interior corre o risco de se encontrar prisioneiro da sua imagem de ¿superpolicial¿ ¿ não necessariamente boa para um presidente.

Sem falar na confusão no campo econômico. De um lado, o partido perdeu a esperança de uma revolução. De outro, dividiu-se em várias correntes, desde a que aceita a economia de mercado à que a rejeita completamente. Como lembra o economista Elie Cohen, foram os socialistas que fizeram o projeto mais ambicioso de liberalização do mercado francês.

¿O problema é que fizeram isso sem jamais dizer aos franceses, sem explicar. Daí a crise atual do PS. O partido não sabe mais onde mora¿.