Título: POLÍTICA NA POLÍCIA
Autor: ALEXANDRE NETO
Fonte: O Globo, 05/12/2005, Opiniao, p. 7

Odebate sobre violência e segurança pública costuma ganhar intensidade com a aproximação do ano eleitoral, geralmente com inigualável interesse público e invejáveis boas intenções, mas sempre com o objetivo de capitalizar votos para uma possível candidatura do interessado.

Sobra, sempre, uma polícia capenga, com absoluta falta de meios materiais e humanos para o desempenho de suas funções constitucionais.

Vê-se, pois, que a alardeada ¿disputa¿ entre a polícia judiciária e o Ministério Público tem origem, em grande parte, no abandono a que foi relegada. Ontem, as polícias serviam ao poder da ditadura. Hoje, servem à ditadura do poder, mais precisamente dos poderes executivos estadual e federal, que não querem abrir mão de ter uma polícia à disposição ¿ sem leis orgânicas capazes de lhes outorgar autonomia administrativa e financeira, tal qual já ocorre com o Poder Judiciário, com o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Assim, vai-se ouvindo por parte de ministros e secretários de estado que ¿suas polícias¿ irão apurar isto ou aquilo. O controle externo até hoje não foi definido pelos legisladores. Já se passaram quase três anos e o chamado Plano Nacional de Segurança Pública ainda não conseguiu sair do papel e nem do Planalto. O sistema prisional se mostra desumano, arrastando-se com a construção de presídios federais. E as polícias seguem servindo ao poder, não à sociedade. Daí vem o uso eleitoral das polícias, em arremedo ao uso eleitoral da miséria, no embalo do bom e saudoso ¿populismo¿ de outrora, adaptado à versão evangélico-social de agora.

Não é só a miséria que dá votos. As fantásticas ações policiais também elegem, ou pelo menos buscam eleger, os protagonistas da política de segurança pública, notadamente em nosso estado, onde o bastão de comando vem passando de mão em mão ¿ o objetivo é o pleito eleitoral que se avizinha. Os coadjuvantes deste cenário ¿ policiais e a sociedade ¿ são meros apetrechos decorativos e o pano de fundo é a construção de novas edificações, como as chamadas delegacias legais.

As licitações são suspeitas e questionadas. Os prédios são lindos, os policiais até se esforçam para melhorar a estética pessoal, tal qual as garças ¿ elegantes e esguias, mas com os pés no brejo ¿ pois os salários foram sacrificados em troca da melhoria arquitetônica das instalações. Sobra dinheiro para a contratação de ¿Voluntários da Paz¿, mas falta verba para o policial que faz. Resultado: varas criminais de nosso estado foram transformadas em varas cíveis, tendo como escopo a baixíssima produtividade investigativa das delegacias legais, que apenas parecem bacanas. As perspectivas se esvaem com o ¿fim¿ do governo e a debandada de futuros candidatos que se serviram de seus cargos no serviço público para se projetarem politicamente.

Somente tais fatos e suas indiscutíveis constatações conseguem explicar como a nossa polícia logrou prender e cortar, em silêncio, as asas de uma águia que dominava onze favelas, e matar com estardalhaço um ¿bem relacionado¿ e ¿vaidoso¿ Bem-te-vi que apenas dominava uma. Talvez um próximo curió audacioso nos dê a resposta.

ALEXANDRE NETO é delegado de polícia no Rio de Janeiro.