Título: AMEAÇA À SAÚDE PÚBLICA
Autor: MARIA EUGÊNIA PROENÇA SALDANHA
Fonte: O Globo, 05/12/2005, Opinião, p. 7

Um tipo de comércio de produtos piratas e/ou clandestinos merece especial atenção do público em geral. Ele atinge a área da saúde pública. Trata-se do comércio clandestino de produtos de limpeza.

É comum, principalmente nos bairros da periferia, a circulação de caminhões com alto-falantes oferecendo aos moradores ¿água sanitária, desinfetantes e amaciantes¿. Até mesmo em lojas é possível encontrar produtos de limpeza clandestinos.

Com preços acessíveis, esse aparentemente inofensivo comércio atrai o consumidor e chega a dominar 42% do mercado, como é o caso das águas sanitárias. Na linha de desinfetantes, a pirataria chega a 30%, e nos detergentes líquidos, a 16%. Os números são alarmantes. De acordo com dados do Centro de Controle de Intoxicações da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, em 2001, 52% dos casos de intoxicação com água sanitária foram causados por produtos piratas ou clandestinos. Os riscos à saúde vão de problemas respiratórios a irritação no estômago e no esôfago.

A preocupação é ainda maior se considerarmos que boa parcela das vítimas de intoxicação é formada por crianças, atraídas por garrafas de refrigerante utilizadas como recipientes, com líquidos coloridos e perfumados. Em 2002, o centro registrou 1.025 casos de intoxicação por esses produtos. Desse total, 25,95% dos pacientes tinham entre 1 e 4 anos, 3,41%, entre 5 e 9 anos, e 6,34% entre 10 e 14 anos. Já do total de intoxicações registradas pelo centro, 55,52% eram decorrentes de produtos ilegais e 19,22% de raticidas de origem desconhecida.

Um dos grandes problemas dos casos de intoxicação por produtos clandestinos é a dificuldade que os médicos têm para prescrever o tratamento mais adequado, uma vez que esses produtos não apresentam qualquer rotulagem ou descrição da sua formulação química.

Outro ponto importante é que o produto clandestino não cumpre eficientemente sua função de higienizar, limpar e matar bactérias que transmitem doenças. De acordo com dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a formulação da água sanitária clandestina, por exemplo, chega a ter uma concentração de cloro ativo 50% inferior ao exigido pela Vigilância Sanitária. Enquanto a concentração ideal é de 2,5%, nos produtos irregulares este percentual chega a 1,4%. Com isso, a população que utiliza esta água sanitária como desinfetante continua exposta às doenças das quais tenta se proteger.

A baixa qualidade dos produtos clandestinos explica a diferença de preços em relação aos cobrados pela indústria. Em São Paulo, o valor médio da água sanitária legalizada era em 2001, quando foi feita a pesquisa pela Fipe, de R$0,75 contra R$0,31 do saneante informal. Há grande disparidade de preços também entre os desinfetantes: as empresas formais comercializam a unidade por R$1,48, em média, enquanto as irregulares vendem o produto a R$0,66.

Além disso, as empresas ilegais, normalmente instaladas em fundo de quintal, não pagam impostos, direitos trabalhistas e outras obrigações legais nem seguem as restritas regras sanitárias, ambientais, de saúde do trabalhador, entre outras.

O resultado de todos esses fatores é uma equação em que todos perdem. Perde o governo ao deixar de arrecadar impostos que poderiam ser utilizados nos vários programas sociais ainda parados e ao deixar de criar empregos formais. Perde a indústria que não tem condições de competir com estes produtos dada a imensa diferença de preço provocada não só pela ausência de pagamento de impostos, como também pela total falta de boas práticas de fabricação e garantia de qualidade por parte dos clandestinos, itens custosos, mas necessários. Perde, sobretudo, o consumidor que paga por produtos ineficazes que põem em risco sua saúde e a de seus familiares.

Está na hora de olharmos mais de perto para este problema, que vem crescendo assustadoramente. A Anvisa e a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla) distribuíram recentemente no Rio de Janeiro 300 mil cartilhas de orientação ao consumidor sobre o uso de produtos de limpeza, ensinando-o a identificar os produtos clandestinos e alertando-o a não comprá-los. Em ação semelhante na cidade de São Paulo, realizada em 2004, foram distribuídas 1 milhão de cartilhas.

Mas é preciso muito mais. Se a solução para o problema passa necessariamente pela conscientização da população, é preciso que todos os agentes da sociedade estejam envolvidos com o tema.

MARIA EUGÊNIA PROENÇA SALDANHA é diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins.