Título: POR UMA MELHORIA DO CÁLCULO DO PIB
Autor: Cássia Almeida e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 05/12/2005, Economia, p. 19

O GLOBO (edição de 4/12) deu destaque à minha sugestão de criação de uma comissão de especialistas para rever os procedimentos de cálculo do PIB. A motivação imediata foi o PIB do terceiro trimestre, que, ao mesmo tempo, exibe uma queda de 1,2% para o total do PIB e uma elevação de 0,8% para o consumo privado ¿ que é 60% do total. Não se trata de um erro, mas aparentemente o resultado de uma peculiar opção metodológica para o cálculo dos chamados fatores de dessazonalização, a qual permite que a soma dos componentes do PIB possa diferir do seu total. Mas haja diferença!

Esse é apenas um dos problemas com o cálculo do PIB. Um de nossos maiores especialistas em economia agrícola, José Roberto Mendonça de Barros, declarou na semana passada que há muito tempo desistiu de entender o comportamento do PIB agropecuário nas contas trimestrais do IBGE. Outros especialistas se irritam com as persistentes diferenças entre as estatísticas mensais da indústria e os valores que aparecem no PIB trimestral. Outros ainda não se conformam com o fato de a produção do governo e de outros serviços ser computada principalmente a partir do crescimento populacional.

Essas reclamações não vêm de agora. Como palestrante convidado ao I Encontro dos Técnicos do IPEA, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2001, listei uma série de sugestões para uma agenda de pesquisas em macroeconomia. A primeira delas era o aprimoramento de nossas estatísticas econômicas. E a primeira providência que propus foi a criação de uma força tarefa do Ipea e do Banco Central para ajudar o IBGE a modernizar o sistema de contas nacionais ¿ sugestão essa que não foi levada adiante.

De fato, já se vão 20 anos desde que, sob minha presidência, o IBGE passou a ter a responsabilidade pelo cálculo das contas nacionais, antes afeta à Fundação Getulio Vargas. Naquela ocasião, também trouxe da FGV para o IBGE a responsabilidade pelo cálculo da inflação, com a criação do IPCA. Mas, nesse caso, tive o cuidado de nomear uma comissão independente, composta por economistas e representantes de empregadores e empregados para acompanhar o cálculo do índice. (Para os interessados em história antiga, essa comissão se demitiu junto comigo, quando o governo, no chamado Plano Cruzado II de dezembro de 1986, quis forçar uma mudança metodológica no cálculo da inflação). O PIB, entretanto, continuou por muitos anos a depender de assessoria do governo francês, da qual muito pouco resultou.

Desde 1990, o IBGE tem melhorado bastante o cálculo do PIB, mas, seja por falta de recursos, seja por dificuldades burocráticas, seu meritoso trabalho nessa área continua a merecer aprimoramento.

Há dois problemas. O primeiro é a dificuldade de outros órgãos de pesquisa para antecipar ou reproduzir os resultados do IBGE. O caso dos EUA oferece um bom contraponto. Lá as consultorias privadas, a cada estatística que sai ¿ sobre vendas a varejo, produção industrial, balança comercial, emprego, etc ¿, conseguem atualizar suas projeções do PIB trimestral a ser divulgado pelo Bureau of Economic Analysis no futuro. Quando as estatísticas do PIB saem (freqüentemente aproximando-se dos números antecipados), as consultorias têm condições de entender porque seus números se distanciaram ou não dos cálculos oficiais. Ou seja, a metodologia é conhecida, reproduzível e admite comparações.

Não é esse o caso do IBGE, como demonstra o recente resultado do PIB trimestral, que surpreendeu todo mundo ¿ inclusive o Banco Central e o Ipea, que têm mais acesso à ¿caixa-preta¿ das contas nacionais do que as consultorias privadas.

Então, a primeira tarefa da comissão de especialistas seria facilitar o acesso aos procedimentos do IBGE, de forma que ¿ respeitando-se o sigilo de dados comerciais individuais coletados pelo IBGE ¿ o valor do PIB possa, com alguma confiabilidade, ser antecipado pelos interessados, da mesma forma que hoje acontece com a inflação, que não surpreende mais ninguém quando é divulgada. Trata-se, pois, de dar toda a transparência possível aos procedimentos de cálculo adotados.

A segunda tarefa da comissão seria sugerir um aprimoramento desses procedimentos, inclusive servindo como um apoio efetivo para o IBGE conseguir romper as amarras burocráticas e obter mais recursos para o cálculo do PIB, aproximando-o das melhores práticas internacionais.

EDMAR LISBOA BACHA é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e ex-presidente do IBGE (1985/86).