Título: Burrice em verde-e-amarelo
Autor: ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JÚNIOR
Fonte: O Globo, 12/11/2004, Opinião, p. 7

No Senado está em discussão um projeto de lei denominado ¿Lei do Ato Médico¿, que subordinaria todos os profissionais que atuam na área de saúde à autoridade de um médico, independentemente de sua qualificação. É diferente uma subordinação desse tipo àquela de um trabalho em equipe, que respeita o conhecimento e a experiência individual e resulta em um compartilhar de responsabilidades por todos aqueles que tratam alguém.

A chamada interdisciplinaridade (trabalho em equipe e não trabalho isolado) é uma atitude que surge principalmente no século XX. Estamos, portanto, falando de uma tradição recente que coincide com o surgimento de várias atividades, como terapia, psicologia, fonoaudiologia, bioquímica, microscopia eletrônica, e inúmeras outras que se desenvolveram enormemente com o progresso da informática ¿ como, por exemplo, a operação de equipamentos de alta tecnologia.

Se voltássemos cem anos, veríamos o médico trabalhando praticamente isolado. Com os conhecimentos que dispunha, surgiam as decisões que, freqüentemente, ele mesmo implementava no sentido de diminuir o sofrimento daquele a quem se dedicava.

Com o progresso da ciência e a sua influência na prática médica, um grande número de profissionais de várias especialidades, também formados por universidades, passaram a participar nas várias etapas de avaliação que, em última análise, iriam determinar a ação que procurava a cura.

É fato que, muitas vezes, por interesses escusos, grupos de profissionais da mesma área, isolados e marcados pelo corporativismo, passam a disputar o doente como se este fosse uma mercadoria. Em alguns países e hoje, até no Brasil, por uma atitude imitativa tupiniquim, adotou-se a expressão ¿consumidor¿, para definir aquele que por um infortúnio procura atenção para a sua saúde

A Rede Sarah, como outras instituições de renome internacional, projetou-se implantando desde os seus primórdios uma atuação multidisciplinar. Nesta, profissionais de várias áreas do conhecimento e da ação cotidiana se dedicam à reabilitação. Todos aqueles que participam do tratamento de cada um e não apenas o médico têm seu lugar e valor reconhecidos pelo mérito que surge da competência. Ou por acaso quem humilde, mas conscientemente, mantém o hospital impecavelmente limpo também não está contribuindo para a saúde?

Interdisciplinaridade, portanto, implica co-responsabilidade e não em uma visão vertical e canhestra da ação em saúde. Se aprovado o projeto da ¿Lei do Ato Médico¿, o Brasil mais uma vez fica na contramão de tudo o que está sendo feito no mundo. Tendo sido descoberto na Renascença ingressa para gáudio da corporação médica, na Idade Média... Mergulha de vez no corporativismo que tudo emperra!

A ¿Lei do Ato Médico¿ subordina tudo que é necessário para restabelecimento da saúde a uma só profissão ¿- a médica. Já existem tentativas de ¿remendos¿ no projeto de lei para atender a esta ou àquela corporação. Remendos o Brasil já tem demais! É ruim? Joga no lixo!

Senão, arriscamo-nos destinar ao lixo o que, pela pesquisa, pelo estudo árduo e conseqüente progresso, juntos conquistamos.