Título: REELEIÇÃO EM DEBATE
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 06/12/2005, O País, p. 4

Nos próximos dias mais um dado no jogo da sucessão presidencial será jogado no tabuleiro político, com poder de criar polêmica, mas, ao mesmo tempo, unir em torno de sua aprovação os dois principais contendores, PT e PSDB. Uma emenda constitucional, já em tramitação, do deputado Jutahy Magalhães Junior propondo o fim da reeleição e a ampliação do mandato presidencial para cinco anos, voltará a ser debatida por iniciativa dos tucanos, para ser incluída no pacote de reforma eleitoral que se pretende aprovar, provavelmente em uma convocação extraordinária do Congresso neste fim de ano.

Proposta semelhante já havia sido feita por governistas como o atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo, e o senador José Sarney, que agora têm o apoio de pelo menos parte dos tucanos.

Jutahy Magalhães é talvez o político mais identificado como adepto da candidatura presidencial do prefeito paulistano José Serra. Assim como o novo secretário-geral do PSDB, deputado Eduardo Paes, outro serrista de carteirinha, que é francamente favorável à mudança: ¿O sistema de reeleição congela a renovação da política. Estou cada vez mais convencido de que acabar com a reeleição é fundamental¿, diz ele. Eduardo Paes acha que há um simplismo na análise que atribui ao recall da campanha presidencial a boa posição que políticos como Serra ou Garotinho têm nas pesquisas de opinião atualmente.

Para ele, mais que a lembrança da campanha eleitoral de 2002, há um desejo dos eleitores desses políticos de que se realize um ¿terceiro turno¿ da eleição presidencial. Ao mesmo tempo, o presidente eleito, mal entrou no governo, já tem que construir alianças para a reeleição. Essa mecânica política perversa, provocada pelo instituto da reeleição, contribuiria para ¿congelar¿ a atividade política brasileira, como congela, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o vice do presidente eleito torna-se quase automaticamente o candidato do partido ao fim do segundo mandato.

O que poderia ser visto como um elemento de equilíbrio do jogo político, é entendido hoje por alguns políticos como um fator perturbador no sistema brasileiro. Se a tese da ampliação do mandato para cinco anos vingar, o presidente Lula seria beneficiado, pois teria o direito de se recandidatar a um mandato de nove anos, maior do que aquele para o qual foi eleito em 2002. ¿O eleitorado é que decidiria dar ou não essa vantagem a Lula¿, comenta Paes.

Antes de ser apenas conceitual, essa proposta tem o objetivo claro de acertar apoios a Serra dentro do PSDB. Teoricamente, o governador Aécio Neves seria beneficiado, pois, numa hipotética vitória tucana em 2006, teria a garantia de que não precisaria esperar oito anos para se candidatar à Presidência. Sairia de um segundo mandato em Minas diretamente para a disputa.

Com isso, o governador paulista Geraldo Alckmin ficaria isolado dentro do PSDB, e sairia enfraquecido, pois, não podendo se recandidatar ao governo paulista, estaria ou sem mandato, ou no Congresso em 2011. Mas a proposta pode também criar um clima de discórdia dentro do partido, pois não há certeza de que outros setores a apoiarão. O próprio Aécio acha que o mais correto seria aprovar a regra para 2010. Nesse caso, quem não aceitaria seria o próximo candidato do PSDB, seja ele Alckmin ou Serra.

O tamanho do mandato presidencial é uma discussão que já dura desde a volta do governo civil com a Presidência Sarney. O mandato de João Figueiredo já havia sido aumentado por Geisel para seis anos e a Constituinte quis reduzi-lo para quatro anos. Depois de negociações intensas, onde entrou até mesmo distribuição de concessões de rádios e televisões a congressistas, Sarney ficou com cinco anos.

O presidente Lula se diz ¿uma vítima¿ da reeleição, pois em 1994, antes de o Plano Real mostrar-se uma poderosa arma eleitoral, o mandato presidencial foi reduzido para quatro anos sem reeleição, diante da possibilidade de Lula vir a se eleger. Aprovada a reeleição no governo Fernando Henrique, com o voto contrário do PT, logo passou a ser questionada, a começar pelos supostos métodos corruptos com que fora aprovada.

Nunca ficou muito claro se houve mesmo compra de votos, embora alguns deputados do Acre tenham admitido em gravações, e depois negado, que receberam dinheiro para a votação. Como a reeleição serviria também para os governadores, nunca ficou provado que a eventual compra de votos tenha sido promovida pelo Palácio do Planalto, mas o desgaste político persiste até hoje.

Há quem entenda mesmo que, com a reeleição, o mandato presidencial acabou se transformando em oito anos, com um referendo no meio para que o eleitorado decida se o presidente merece completá-lo. Uma espécie informal de recall, o sistema que alguns países utilizam para poder interromper o mandato de um político considerado inepto.

Antes dessa proposta tucana de voltar o mandato para cinco anos, políticos governistas já haviam proposto o fim da reeleição com a prorrogação direta do mandato de Lula para seis anos, com a igual prorrogação dos mandatos de todos os eleitos em 2002, a fim de coincidir as eleições. Embora todos os políticos fossem beneficiados, com exceção dos prefeitos, a idéia, por absurda, não foi adiante.

Como a reeleição de Fernando Henrique foi a primeira de nossa história, seria mais prudente que se esperasse mais tempo para avaliar se a experiência deu certo ou não. E, se alguma mudança for feita, seria melhor que entrasse em vigor em 2010.

Lula já foi sondado sobre o assunto, e há quem prefira que parta do governo a iniciativa de acabar com a reeleição. Nesse caso, o presidente continuaria tendo a vantagem de poder disputar a última reeleição, mas poderia também abrir mão dela para demonstrar que é coerente. Atitude que já esteve em seu plano estratégico quando a crise do PT parecia incontornável, mas que hoje parece distante de seus desejos, embora não impossível.