Título: PODRIDÃO AGRÁRIA
Autor: XICO GRAZIANO
Fonte: O Globo, 06/12/2005, Opiniao, p. 7

Abrem-se os trabalhos na CPMI da Terra. São ouvidos gestores das entidades que funcionam como linha auxiliar do MST. É grande a expectativa. A quebra do sigilo bancário expôs um sumidouro de recursos públicos.

Deputado Abelardo Lupion interpela o sr. Emerson Rodrigues: ¿ O senhor recebeu em seu nome vários cheques somando R$318.428,00. Com qual finalidade eram sacados valores tão altos?

O depoente: ¿ Reservo-me o direito constitucional de permanecer em silêncio.

Deputado Abelardo Lupion pergunta ao sr. José Trevisol: ¿ Eu tenho aqui um cheque no valor de R$501.953,00, assinado pelo senhor e sacado em dinheiro. O senhor confirma?

O depoente: ¿ Reservo-me o direito constitucional de permanecer em silêncio.

E assim, de forma surpreendente, permaneceram de boca fechada os responsáveis pela utilização de R$41,7 milhões, repassados através de convênios, pelo governo federal, às entidades comandadas pelo MST. Nenhuma explicação, nenhuma palavra. Foram consecutivas 127 não-respostas.

O miolo do escândalo: o saque na ¿boca do caixa¿, efetuado por laranjas vermelhas, soma R$3.514.349,00. Por que valores tão expressivos foram utilizados através de cheques ao portador? Ninguém respondeu.

Aqui reside a desavença política ocorrida, nesses dias, ao se finalizar os trabalhos da CPMI da Terra. As apurações da comissão mostraram uma podridão. Chamados a esclarecer os fatos, os dirigentes sem-terra preferiram a escuridão do silêncio à transparência do verbo. Lamentável.

Engana-se quem, ao analisar a votação daquele relatório final, rotular as divergências havidas entre, de um lado, ruralistas conservadores e, de outro, progressistas trabalhadores sem-terra. O cerne da encrenca recente não residiu na ideologia, e sim na verdade.

O debate raivoso e as cenas explícitas da ¿doença do Aparecido¿ procuram esconder um submundo deplorável da atual questão agrária. O chamado movimento social vive à custa do cofre público. Convênios se destinam, no papel, a apoiar ações altruístas e, na prática, alimentam o processo das invasões de terra.

Relatório do Tribunal de Contas da União, após análise de 103 desses convênios, indicou gritantes irregularidades na prestação de contas. Estima que R$18 milhões tenham sido desviados.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. A traquinagem do MST funciona com a tradicional tecnologia dos ladrões do dinheiro público. O esquema é semelhante àquele do mensalão. Não se pode afirmar que seus líderes enriqueceram. O delito objetiva o poder, ou a revolução. Crime da mesma forma.

Por conta disso, a maioria dos parlamentares rejeitou o insosso e tendencioso relatório de João Alfredo, militante dos sem-terra. Ele fazia vistas grossas à tramóia. Em seu lugar acabou aprovado o substitutivo Lupion, que indicia seus responsáveis.

A CPT diz que o novo texto consagra a violência no campo. O MST afirma que a comissão se curvou aos objetivos criminosos da UDR. Fazem o conhecido jogo da dissimulação ideológica.

O raciocínio polarizado serve para justificar o esconde-esconde da malandragem agrária. Normal. Injustificável é ver jornalistas comprarem barato esse discurso falso. É incrível perceber como a mídia gosta da palavra fácil e do gesto brusco, assumindo a defesa dos ¿coitadinhos¿ sem-terra contra os ¿malfeitores¿ fazendeiros. Generalizam e informam mal a opinião pública.

Lênin atacou o esquerdismo taxando-o como doença infantil do comunismo. Articular alianças políticas para enfrentar a grilagem de terras e promover a regularização fundiária do país é fundamental. A qualidade da reforma agrária brasileira daria um bom debate.

Mas essa esquerda que fugiu na reta final da CPMI acusando todos os parlamentares de assassinos não quer discutir nada a sério. Sabe gritar, rasgar, não construir. É autoritária e covarde.

Não há acordo possível com relação à malversação de dinheiro público. O silêncio dos depoentes do MST durante as sessões da CPMI selou sua culpa. Não mentiram, foi seu único mérito. Mas quem cala consente.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP).