Título: Visao Marciana
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 06/12/2005, Economia, p. 22

Um marciano que desceu ao Brasil na semana passada não acreditou que o país tinha recebido dias atrás a notícia de que o PIB encolheu 1,2% no último trimestre: a bolsa subiu dois dias seguidos, ¿ ontem teve pequena realização ¿ e o risco-país caiu fortemente. Olhou o dólar que continua caindo e não acreditou que tem banco no país apostando em saldo comercial de US$44 bilhões.

O Brasil não é mesmo um país simples de entender. No ano da nossa pior crise política, a Bovespa registra que, pela primeira vez, os estrangeiros passaram a ser os primeiros investidores no país. De 94 a 2002 os maiores investidores eram os bancos, em 2003 e 2004, foram os fundos de pensão. Este ano, os estrangeiros atingiram o nível de 32,8%, o pico.

Nos três primeiros dias úteis de dezembro, o risco brasileiro caiu 20 pontos e ontem fechou na mínima histórica. Ao mesmo tempo em que o Boletim Focus do Banco Central fazia uma redução brusca nas previsões de crescimento do ano de 3% para 2,66%. A queda deve continuar. O BC terá de fazer um ajuste dramático em suas previsões, porque oficialmente ainda está com 3,4%.

O dólar bate no fundo do poço. Aqui no Brasil; em outros mercados, este ano foi de valorização da moeda americana. Frente ao euro, subiu 13%; frente ao iene, 15%; e frente ao real caiu 20%. Isso deveria levar ao aumento das importações e à queda das exportações. As vendas continuam aumentando mais do que as compras. Normalmente, no fim do ano, o superávit cai. Com dólar baixo, mais uma razão para a queda. O superávit comercial de novembro foi de US$4,09 bilhões, o segundo maior do ano. Isso levou alguns bancos a reverem suas projeções. Aliás, as instituições passaram o ano inteiro aumentando suas projeções de balança comercial. O Bradesco, que acertou mais cedo, está com nova previsão: US$44,6 bilhões. Se for isso, pode-se dizer que, comparado à primeira projeção do ano feita pelas instituições, o mercado errou em US$18 bilhões. Há muitas explicações para esse desastre da bolinha de cristal. A economia mundial cresceu muito, alguns produtos tiveram preços muito acima do esperado, como minério de ferro; mas eles previam US$26 bilhões de superávit a um câmbio que terminaria o ano em R$2,95 e dará US$44 bilhões a um câmbio que está em R$2,20.

A bolsa, nos dois primeiros dias após o anúncio da queda do PIB, subiu 2,8%. Outras bolsas dos emergentes subiram este ano, mas a alta dos ativos brasileiros ocorreu no meio de uma devastadora crise política, aumento da incerteza eleitoral de 2006 e redução das perspectivas de crescimento do PIB. No ano, o risco-país caiu 60 pontos no mesmo momento em que é óbvio que o risco, no sentido em que todas as pessoas entendem, aumentou no Brasil.

Tudo no Brasil é difícil de entender. Já houve no passado números negativos divulgados pelo IBGE que foram contestados pelo governo, mas, desta vez, a queda do PIB foi contestada por gente de fora do governo. O professor Edmar Bacha disse que há várias dúvidas, então propôs, em artigo ontem no GLOBO, melhorias no cálculo do PIB. Uma delas é para evitar certas contradições como: a queda do todo ser maior do que a queda das partes, pelo modelo de dessazonalização. Um outro ponto de dúvida é que houve uma queda forte, apesar do aumento do consumo das famílias, que é 60% dos componentes da demanda.

José Roberto Mendonça de Barros disse que esperava a queda no segundo trimestre, quando o Brasil perdeu 15 milhões de toneladas e, na época, o PIB agrícola subiu; mas, agora, caiu mais do que todas as previsões. Como os dois, pelo que já fizeram no passado, são insuspeitos de querer quebrar termômetros, perguntei ao presidente do IBGE, Eduardo Nunes, sobre o assunto e recebi uma carta do coordenador de Contas Nacionais, Roberto Olinto.

Os dois dizem que a metodologia do IBGE é conhecida, segue padrões internacionais, basta quem tem dúvidas entrar no site ou perguntar ao órgão.

Eduardo Nunes diz que o PIB trimestral caiu mais do que todas as partes do PIB pela metodologia de dessazonalização. Pois é. É exatamente isso que Bacha aponta como falha. Eduardo Nunes defende:

¿ O modelo não é aditivo. Podemos até ter um momento em que cada componente da demanda seja positivo e mesmo assim o PIB cair. Pode, teoricamente ¿ diz.

Outra dúvida em relação ao IBGE veio do especialista do Ipea em pobreza e desigualdade, Ricardo Paes de Barros. Ele explicou que o questionário do entrevistador da Pnad está orientado para incluir as transferências do Bolsa Família com renda de juros e dividendos, o que mistura dona Maria do Piauí com o homebrocker que passou o ano inteiro no computador correndo atrás de boas ações; ou o que pôs o dinheiro no fundo de renda fixa e foi viajar. Eduardo Nunes confirma: o questionário do IBGE pergunta a renda principal da família e, depois, as outras rendas. Nessas outras rendas entram tanto o Bolsa Família quanto os juros de aplicações financeiras:

¿ Para saber a diferença, o PB (Paes de Barros) pode ir aos microdados e separar por renda familiar. Separar quem ganha meio salário-mínimo de quem ganha vários salários-mínimos.

Poder pode, mas ficaria mais fácil não juntar os dois tipos de renda.

E o marciano que desceu aqui inadvertidamente? Ah, bom! Ele desistiu e já resolveu ir para outro país. Achou que o Brasil não é mesmo para amadores; nem para marcianos.