Título: Juiz ordena liberação de documentos da ditadura
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 12/11/2004, O País, p. 11

O juiz Paulo Alberto Jorge, da 1 Vara Federal de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, determinou ontem que o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, envie a Lorena, no interior de São Paulo, no prazo de 15 dias, ¿todo e qualquer documento público¿ relacionado com a ditadura emitido no período de 1964 a 1988, para que seja examinado o caráter sigiloso de cada um. Os documentos deverão, como determina a liminar concedida a pedido do Ministério Público Federal em Taubaté, ser enviados para o quartel do 5 Batalhão de Infantaria Leve do Exército, em Lorena, para que sejam examinados por representantes do Ministério Público, da Advocacia Geral da União (AGU) e da Justiça Federal.

¿ À luz da Constituição, que determina critérios para o sigilo de documentos públicos, vamos examinar os documentos. Aqueles cujo sigilo não for enquadrado nos preceitos constitucionais, depois de uma avaliação criteriosa, deverão ser eventualmente exibidos em público ¿ explicou o juiz.

Segundo ele, a decisão foi tomada em Guaratinguetá mas poderia ter acontecido em qualquer lugar, já que o Ministério Público e a Justiça têm abrangência nacional. Ele lembrou a decisão do juiz Julier Sebastião da Silva, da Justiça Federal de Cuiabá, em dezembro de 2003, que determinou que todos os cidadãos americanos que entrassem no Brasil fossem obrigados a passar por processo de identificação. Como a decisão era da Justiça Federal, teve validade em todo o território nacional.

Para o juiz, o pedido dos procuradores é ¿muito equilibrado¿, por isso a sua decisão em favor da liminar:

¿ Não é quebra do sigilo pura e simplesmente. É uma operação delicada que leva em consideração vários aspectos, a partir do controle do sigilo. Não é um pedido tresloucado para que os documentos venham a público, tenham o que tiverem, mas que haja um controle sobre a classificação do sigilo.

Juiz não sabe volume de documentos que receberá

Embora tenha determinado ¿a juntada aos autos de todo e qualquer documento público relacionado com a ditadura militar no Brasil de 1964/1988¿, o juiz não tem idéia do volume do que poderia receber:

¿ É uma grande incógnita.

Ele citou, porém, declarações do cabo José Alves Firmino ¿ ex-araponga do serviço de inteligência do Exército que entregou fotos publicadas no jornal ¿Correio Braziliense¿ erroneamente identificadas como sendo do jornalista Vladimir Herzog. O ex-araponga disse que teve acesso a documentos reservados do Exército e que há muitas informações nos arquivos. O juiz acha provável que a AGU tente derrubar a liminar.

¿ Mas tenho muita esperança de que a liminar venha a ser cumprida, já que o pedido é muito equilibrado ¿ disse ele.

Paulo Jorge acredita que esta é uma oportunidade de acabar com os melindres políticos que o assunto sempre provoca.

¿ Chegou a hora de serem desfeitos os melindres de ordem política. Vivemos em um regime democrático de direito e, acima de eventuais questões pessoais, é preciso que se cumpra a Constituição. Esta ação é uma forma de acabar com esses melindres ¿ disse o magistrado.

Procurada em Brasília, a assessoria do novo ministro da Defesa, José Alencar, não comentou o caso.