Título: CIA AZEDA VIAGEM DE CONDOLEEZZA
Autor:
Fonte: O Globo, 07/12/2005, O Mundo, p. 32

Merkel diz que secretária reconheceu erro da agência em prisão de alemão mas assessores negam

BERLIM

Ao enfrentar ontem uma situação embaraçosa em sua visita à capital alemã, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, teve uma atitude rara: reconheceu que o EUA podem cometer erros em sua campanha contra o terrorismo e prometeu repará-los.

¿ Qualquer política de ação resulta às vezes em erros, e quando isto acontecer, faremos de tudo para retificá-los ¿ disse Condoleezza em entrevista coletiva ao lado da chanceler federal alemã, Angela Merkel.

Condoleezza se negou a comentar o caso que a teria levado a fazer tal declaração, e que enfureceu os alemães. Trata-se da prisão secreta do alemão de origem libanesa Khaled el-Masri pela CIA na Macedônia em 2003. A agência de inteligência americana o levou para o Afeganistão, onde o manteve por cinco meses, libertando-o depois de reconhecer que era inocente. A União Americana de Liberdades Civis anunciou ontem que em sua defesa abriria um processo contra o ex-diretor-geral da CIA George Tenet.

Mas Merkel afirmou que Condoleezza admitiu que foi equivocada a prisão de Masri.

¿ Tenho a satisfação de dizer que conversamos sobre o caso específico, que foi reconhecido pelos EUA como um erro, e estou muito satisfeita que a secretária tenha reiterado que se erros são cometidos, devem ser imediatamente retificados ¿ disse.

Pouco depois, porém, assessores de Condoleezza que seguiam com ela para a Romênia negaram que a secretária tivesse reconhecido a prisão de Masri como um erro. Disseram ainda que haviam pedido ao governo de Merkel (iniciado há duas semanas) explicações sobre sua declaração.

ABC e `Post¿ fazem novas denúncias

Condoleezza visita a Europa em meio a investigações em pelo menos oito países do continente sobre denúncias de que a CIA realizou vôos clandestinos pela Europa, levando suspeitos de terrorismo a países onde eles seriam interrogados e possivelmente torturados. Segundo a Anistia Internacional, foram 800 vôos ilegais. A secretária não comentou as denúncias, mas defendeu a legalidade dos métodos americanos contra qualquer ¿inimigo militante¿ que atue com a intenção de ¿matar civis inocentes¿.

¿ Se você não os prende antes de eles cometerem seus crimes, eles cometerão assassinatos em massa ¿ afirmou.

Já o presidente George W. Bush disse em Washington que os EUA não enviam suspeitos de terrorismo a países onde eles sofreriam abusos.

¿ Não (os) transferimos para países que torturam. Nossa política tem sido essa e continuará a mesma ¿ declarou.

O presidente assinalou ainda:

¿ Obedecemos à lei dos EUA, e não torturamos.

Bush fez suas declarações pouco depois de a TV americana ABC reforçar as denúncias. Citando como fontes funcionários da própria CIA, a emissora afirmou que os EUA mantiveram supostos membros da al-Qaeda na Europa até o mês passado, quando eles teriam sido transferidos para o norte da África. Disse ainda que as técnicas de interrogatório usadas com eles incluiriam privação de sono e ameaças de afogamento. A CIA nada comentou.

Outra denúncia foi feita ontem pelo ¿Washington Post¿. O jornal disse que em 2003 a polícia antiterrorismo italiana foi informada pela CIA de que o clérigo radical islâmico egípcio Hassan Mustafa Osama Nasr fugira para os Bálcãs. Nasr morava em Milão, era investigado e desaparecera semanas antes. Citando documentos da Justiça italiana e entrevistas com investigadores, o jornal informou que a CIA mentiu deliberadamente para enganar a polícia italiana, já que teria capturado secretamente o clérigo e o levado ao Egito para interrogá-lo e torturá-lo.

A polêmica sobre os vôos da CIA pode azedar o jantar que Condoleezza tem hoje com 25 ministros do Exterior europeus em Bruxelas.