Título: A PERPETUAÇÃO DA POBREZA
Autor: CARLOS HENRIQUE ARAÚJO e NILDO LUZIO
Fonte: O Globo, 08/12/2005, Opiniao, p. 7

Éconsenso afirmar que o número de pobres no Brasil é alto. Estudos revelam que, em 2002, cerca de 29% da população vivia em situação de pobreza, totalizando mais de 53 milhões de pessoas. Houve alguma redução nos últimos anos, pois em 1993 eram mais de 38,2%, mas não no ritmo desejável para resolver os problemas históricos do país.

A redução do contingente de pobres foi provocada pelo aumento dos recursos aplicados em programas de transferência direta de renda, o que contribuiu para o crescimento dos gastos sociais, especialmente por meio do Bolsa-Família e da Previdência. Esses têm obtido algum impacto na diminuição da pobreza. De fato, os programas de transferência contribuíram para reduzir o Índice de Gini de 0,63 para 0,58. Uma desigualdade ainda forte e que revela os limites desses programas e aponta para uma reflexão acerca de questões pertinentes para a redução sustentada da incidência da pobreza.

Uma delas diz respeito à necessidade de reorientar o orçamento social. Seu volume aproxima o país dos membros da OCDE em se tratando de gasto social como proporção do PIB, atingindo quase um quarto do produto nacional. Em 2004, o orçamento social direto do governo federal foi de R$280,693 bilhões, correspondendo a 14,1% do Produto Interno, somando a Previdência.

O impacto redistributivo dos gastos não depende somente de sua magnitude, mas, também, de sua forma de distribuição entre os setores da população. Algumas distorções são facilmente perceptíveis, principalmente na Previdência Social e na educação. Os gastos com a Previdência, 67,6% do orçamento social federal, beneficiam mais quem está no topo da distribuição de renda do que propriamente os mais pobres.

Por sua vez, os gastos em educação efetivados pelo governo federal corresponderam, em 2004, a 0,7% do PIB. Em termos proporcionais ao conjunto do orçamento federal, em 2004, os gastos com educação e cultura representaram 5,2% do total, algo em torno de R$13 bilhões. A análise de como esse orçamento é distribuído revela uma forte concentração no ensino superior. Um erro de prioridade. Este nível de ensino se apropria de 55,8% do total, o ensino fundamental somente de 15,4%, o ensino médio e profissional de 8,3%, a educação de jovens e adultos de 1,1%, a educação especial de 0,3% e, por fim, a educação infantil de 0%, em 2004. Os demais gastos são distribuídos pela cultura e outras atividades.

Portanto, há a necessidade de correção dos gastos sociais do governo federal. Em educação é preciso investir muito mais, em termos absolutos e relativos, na educação básica, com o aparelhamento contínuo das escolas brasileiras, com investimento na qualidade dos recursos humanos, bem como na indução de políticas de elevação da qualidade educacional e de responsabilização dos estados e municípios do Brasil. Para a Educação Básica a agenda pertinente é o do aprendizado. Segundo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica de 2003, 55% das crianças de 4ª série estão nos estágios muito crítico e crítico de leitura. O sistema é ineficiente.

Ainda, é preciso providenciar reformas da Previdência que privilegiem os setores menos favorecidos do universo previdenciário. Para tanto, é preciso enfrentar, com políticas públicas, os setores fortemente corporativos da sociedade, inclusive, e de forma frontal, os setores corporativos do funcionalismo público. Em política pública não basta gastar, é preciso gastar bem, com eficiência e eficácia. Tem que se ter em mente prioridades e implementar sistemas de avaliação que possam mostrar com clareza e transparência os impactos dos investimentos.

CARLOS HENRIQUE ARAÚJO é secretário-executivo adjunto da ONG Missão Criança. NILDO LUZIO é gestor de políticas públicas do Inep.