Título: UM BOM NEGÓCIO
Autor: PEDRO BRITO
Fonte: O Globo, 08/12/2005, Opiniao, p. 7

Ocomeço das providências para o imediato início das obras para integrar o rio São Francisco às bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional abasteceu de informações técnicas os meios de comunicação, ajudando a eliminar alguns preconceitos sobre o projeto. Efetivamente, a transposição das águas do Velho Chico para integrar os rios da região num sistema de abastecimento permanente é o objetivo do projeto, centrado na redução dos efeitos da seca que ocorrem com freqüência numa vasta porção do território brasileiro.

Nos períodos de estiagem, decorrentes da escassez de chuvas, voltam à realidade as cenas retratadas nos romances do Ciclo do Nordeste: perda das safras, fome, miséria e migração. As chuvas abundantes trazem de volta os migrantes e as esperanças intermitentes como vários rios das regiões relacionadas com o São Francisco. A aspiração do semi-árido de ter abastecimento permanente de água data do Império. Há 150 anos dom Pedro II se interessou pelo problema da seca e encomendou estudos para resolvê-lo com os limitados recursos técnicos conhecidos à época.

Diversos programas foram propostos e discutidos, sem, no entanto, capacidade de convencer os governantes. Os custos estavam além das possibilidades financeiras de soluções duradouras. Na República, a questão da seca, com o crescimento da população, agravou-se e ganhou peso político e social, mas não conheceu resultado satisfatório. Os projetos ficavam pela metade ou nem isso. No final do século passado, reapareceu a idéia de abastecer as bacias hidrográficas das regiões onde, nos períodos de seca, os rios são intermitentes e os açudes se esvaziam até que as chuvas os tragam de volta por mais algum tempo.

O projeto de levar água do rio São Francisco para as bacias fluviais dos Estados mais submetidos à escassez de chuvas, no semi-árido setentrional, foi reavaliado e viabilizado graças aos novos recursos de tecnologia. Foram realizados estudos econômicos e analisados seus vários efeitos sobre o meio ambiente e a economia agrícola localizada na bacia do São Francisco. O governo federal optou pela idéia da integração das águas do Velho Chico, que banha cinco estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), mas é capaz de atender, por meio dessa obra, outra parte de Pernambuco, além de Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. É esse o universo da integração.

A última batalha contra as secas se concentrou sobre os estados cujas terras são percorridas pelo São Francisco. As questões ambientais, sociais e econômicas à margem do rio foram avaliadas e viabilizadas tecnicamente. O debate não se esgotou, mas o governo federal conta com o suporte de parecer da Agência Nacional de Águas (ANA): a retirada de 1% da água que o rio despeja no mar não representa ameaça ao abastecimento dos estados percorridos. De cem litros que chegam à foz, apenas um será captado e levado ao consumo humano e animal da vasta região a ser beneficiada. Quando a barragem de Sobradinho (a captação será abaixo dela) estiver vertendo o excesso de água no período das chuvas, o volume captado poderá subir a 127 metros cúbicos por segundo (2,5% da água despejada no mar).

A garantia ecológica e econômica do projeto será acompanhada paralelamente pela revitalização do rio, mediante recuperação das áreas degradadas pelas secas e pela ampliação de seu potencial hídrico. Do ponto de vista social, o fornecimento de água prevê amplo efeito sanitário e social na vida das cidades e pequenas comunidades. Há ainda um importante efeito para a economia regional: com rios e açudes abastecidos permanentemente, a expansão agrícola será natural. O refluxo das migrações por efeito do abastecimento urbano e rural da água mostra a face social do projeto.

Em favor da transposição das águas do São Francisco para a região semi-árida pesou também o argumento de que o custo estimado do projeto (R$4,5 bilhões) equivale praticamente aos gastos extraordinários do governo anterior nas duas últimas grandes secas. A integração do São Francisco a um pedaço do Brasil que precisa dele é, sem dúvida, um bom negócio para o país.

PEDRO BRITO é coordenador-geral do Projeto São Francisco no Ministério da Integração Nacional.