Título: FROTA DA DENGUE FORA DE COMBATE
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 08/12/2005, Rio, p. 16

Carros para prevenir a doença estão parados ou fazendo outros serviços e cheios de multas

Enquanto o Ministério da Saúde alerta para a possibilidade de uma epidemia de dengue no próximo verão no Rio, mais de 50% dos 218 carros cedidos à prefeitura em 2002 para o combate à doença estão parados num pátio da Secretaria municipal de Saúde ou foram desviados de função, segundo levantamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), proprietária da frota. Há veículos servindo aos gabinetes do prefeito e do secretário de Saúde e outros que foram multados em fins de semana, de madrugada e em outros municípios. A falta de combate adequado ao mosquito transmissor fez com que a taxa de infestação na cidade atingisse 7,2 vezes o máximo tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo o último relatório do Ministério da Saúde.

Dos 218 veículos (163 picapes Corsa, 22 Fiat Strada, 25 picapes Ranger com fumacê, sete S-10 cabine dupla e um caminhão-frigorífico) cedidos em regime de comodato para a prefeitura há três anos, 54 estão abandonados no pátio tomado pelo mato em Campo Grande, sendo 11 devido a acidentes e o restante com problemas mecânicos. Outros 56 estão desempenhando atividades sem qualquer relação com o combate à dengue. Dois Corsas também foram roubados em Inhaúma, num intervalo de apenas cinco dias, em 2004. Por conta disso, a Procuradoria Geral da Funasa já solicitou a retomada da frota.

Corsa foi multado 32 vezes desde 2002

Dos veículos parados por falta de manutenção, há problemas simples como falta de bateria, pastilhas de freio e até lacre na placa, como é o caso do Corsa LNS-3761. Um dos carros que estão no pátio por terem sofrido acidente é o recordista de multas: o Corsa LNS-9589. O veículo foi multado 32 vezes desde 2002, a maioria por excesso de velocidade, segundo a Funasa. Comerciantes vizinhos ao pátio da Secretaria de Saúde contam que muitos carros chegaram com aparência de novos ao local:

¿ Vi chegarem carros ainda com o plástico nos bancos e que estão até hoje estragando ao relento. O mais irônico é que, enquanto esses carros apodrecem, nós sofremos com a infestação de mosquitos. Após as chuvas, o pátio vira um foco devido ao mato e às carcaças ¿ diz um funcionário de uma loja de carros vizinha.

A Funasa também descobriu carros da dengue sendo utilizados em outras funções, descumprindo o contrato firmado com a prefeitura. Apenas na Assessoria de Engenharia e Obras da Secretaria municipal de Saúde foram achados quatro veículos. Um deles, o Corsa LNS-9489, já foi multado 15 vezes, uma delas por excesso de velocidade, às 3h15m do dia 2 de janeiro de 2003, na Linha Vermelha.

Outro veículo está lotado, segundo a Funasa, no gabinete do prefeito Cesar Maia, tendo recebido dez multas. Há carros servindo a hospitais como o Lourenço Jorge, na Barra, o Hospital da Lagoa e o Salgado Filho, e postos de saúde. Na semana passada, dois Corsas podiam ser vistos no posto Waldir Franco, em Bangu. O presidente da Comissão de Saúde da Alerj, deputado Paulo Pinheiro, disse que há claro sinal de desvio de função:

¿ Os carros estão servindo às Coordenações de Área da prefeitura (CAPs). São vistos levando exames laboratoriais, materiais, sangue, documentos e estatísticas das Caps para hospitais e postos de saúde, principalmente na Zona Oeste.

O não pagamento pela prefeitura de multas e do seguro obrigatório, no valor de R$59,96 por carro, também viola o contrato. Desde 2002, os carros com a prefeitura do Rio foram multados 655 vezes, totalizando R$104.794,21. Outras 59 multas, no valor de R$10.268,45, estão suspensas, enquanto a prefeitura recorre. Somada aos débitos com o seguro, a dívida com o Detran chega a R$130.868,09.

Multa em Niterói, e de madrugada

Alguns veículos receberam mais de 20 multas. Chamam a atenção os horários e locais das infrações. O Corsa LNS-9576, baseado num escritório da Secretaria de Saúde na Rua do Lavradio, no Centro, foi multado cinco vezes em Niterói por excesso de velocidade, todas à noite ou de madrugada. Em três ocasiões, o carro estava rodando em sábados. Outro Corsa foi multado duas vezes a 8 de maio de 2004 na BR-101, entre Angra e Mangaratiba, num intervalo de uma hora.

¿ Essas são as maiores provas de que os carros estão sendo usados de forma errada ¿ diz o chefe do setor de transporte da Funasa no Rio, Tony Jorge Kuhm.

O contrato de comodato diz que os 218 veículos só poderiam ser usados em atividades inerentes ao Programa Nacional de Controle da Dengue e que a prefeitura se responsabilizaria pela manutenção e pagamento de multas, taxas e outros encargos.

Em ofício enviado à Funasa no Rio a 6 de julho, o procurador-chefe da Procuradoria Geral da Funasa, Marco Aurélio Ventura, sugere que o contrato com a prefeitura seja rescindido unilateralmente e os carros, retomados. A Funasa no Rio já notificou a prefeitura para quitar débitos ou devolver os veículos. Em nota, a Secretaria municipal de Saúde admite desvio de função de parte da frota e diz que os modelos cedidos são inadequados para o combate ao mosquito. Diz ainda que vem recorrendo de multas.