Título: EUA PROÍBEM TORTURA DENTRO E FORA DO PAÍS
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Fonte: O Globo, 08/12/2005, O Mundo, p. 35

Condoleezza indica mudança de postura de Washington diante de convenção internacional

KIEV. Na tentativa de afastar acusações de que os EUA permitem a tortura de suspeitos de terrorismo, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, afirmou ontem na capital ucraniana que agentes americanos estão proibidos de submeter detentos a atos de crueldade em qualquer lugar do mundo.

¿ As obrigações dos EUA de acordo com a CAT (Convenção contra a Tortura, da ONU), que proíbe o tratamento cruel, desumano e degradante, estendem-se aos funcionários americanos onde quer que eles estejam, seja nos EUA ou fora dos EUA ¿ disse Condoleezza.

Embora sempre tenha dito que não admite a tortura de prisioneiros em qualquer lugar, o governo George W. Bush fizera uma distinção para o tratamento ¿cruel, desumano e degradante¿, recorrendo a uma brecha legal para afirmar que a convenção não impediria esse tipo de tratamento fora do território americano. Na prática, isto significaria que poderia transferir presos para países que adotariam a tortura em interrogatórios.

A declaração da secretária significaria uma mudança de política do governo em relação a sua política para suspeitos de terrorismo, mas a Anistia Internacional a considerou pouco significativa e cobrou uma ação séria dos EUA em relação a casos de tortura em bases americanas. Grupos de direitos humanos e congressistas americanos de oposição têm alegado que a convenção estava sendo mal interpretada pela Casa Branca.

Condoleezza viaja pela Europa em meio a denúncias de que a CIA (agência de inteligência americana) realizou inúmeros vôos secretos com escalas no continente para levar suspeitos de terrorismo a países que usariam a tortura. Principal aliado de Bush, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, defendeu ontem a cooperação com os EUA na transferência de suspeitos, mas assinalou que isto não significa que eles seriam torturados.

Rice seguiu ontem para Bruxelas, onde jantaria com ministros do Exterior de países-membros da Otan, possivelmente enfrentando novas críticas às ações americanas, apesar de seus esforços nos últimos dias para defender a Casa Branca.

O governo alemão reiterou ontem a declaração da chanceler federal Angela Merkel de que Condoleezza admitiu como equivocada a prisão de um alemão inocente, por cinco meses, sob suspeita de terrorismo. Em visita a Berlim, terça-feira, a secretária declarou que se os EUA cometerem erros durante a campanha contra o terrorismo, ele serão reparados imediatamente. Mas não se referiu ao caso do alemão. Merkel disse, entretanto, que ela admitira a prisão equivocada, o que assessores de Condoleezza em seguida desmentiram. A confusão azedou o encontro entre as duas.

¿New York Times¿ faz dura crítica à secretária em editorial

O escândalo dos vôos secretos da CIA resulta em duras críticas das imprensas americana e européia ao governo Bush. Na França, o ¿Libération¿ disse que ¿Bush e sua facção estão errados ao pensar que vale qualquer coisa na luta contra o terrorismo, mesmo se a lei sofrer danos¿. Em editorial, o ¿New York Times¿ lamentou que a atitude de Condoleezza de negar a tortura diante de aliados europeus mostra o quanto o governo tem prejudicado sua moral. ¿Foi ainda pior que ela tenha tido dificuldade para soar confiável quando o fez¿, disse.