Título: Feema sob fogo cerrado
Autor: Carla Rocha e Elaine Rodrigues
Fonte: O Globo, 12/11/2004, Rio, p. 13

Documentos a que O GLOBO teve acesso com exclusividade revelam que os grampos da operação Poeira no Asfalto, da Polícia Federal, contra a máfia dos combustíveis, passam um pente-fino nunca antes realizado na Feema. E mostram que o esquema de corrupção pode chegar à cúpula do órgão ambiental. Nos diálogos, funcionários e prestadores de serviços da empresa negociam licenças ambientais ou a retirada de multas por valores que variam de um simples cala-boca (quantia pequena em dinheiro para agradar a um funcionário de escalão mais baixo) a propinas entre R$ 3 mil e R$ 10 mil, além da oferta de carro.

Os principais diálogos monitorados são travados entre Sandro Domingues, motorista de caminhão, funcionário da prefeitura de Duque de Caxias que, segundo a PF, estaria cedido à Feema (que nega o vínculo); Thélio Moreira da Costa Lima, químico; e Joseléa Borges de Oliveira, identificada pela PF como auxiliar de Fazenda. Todos foram presos. Na denúncia entregue à Justiça pelo Ministério Público, Sandro aparece como um dos principais articuladores do esquema, por ser polivalente ao ponto de negociar licenças para liberar postos de gasolina, fazer contato com traficantes procurados no Rio e ainda negociar tráfico de armas com um oficial do Exército.

Ou seja, ele seria uma espécie de faz-tudo da organização. Também é acentuado que Sandro e Thélio demonstram ter bom trânsito na presidência da Feema ¿ responsável única pela assinatura das licenças prévia, de instalação e de operação concedidas pelo órgão. Como a presidência da Feema e a própria presidente do órgão, Elizabeth Cristina da Rocha Lima, são citadas em vários diálogos, os promotores afirmam, na ação, que ela poderia estar ligada ao grupo.

Também é citado marido da presidente

A negociação é explícita. Sandro e Thélio citam nomes e comentam que funcionários do órgão fariam uma espécie de gincana para aumentar o valor da propina. Revelam os nomes e os números de processos de empresas dispostas a pagar para não serem fiscalizadas e fornecem até números de contas bancárias para que sejam feitos os depósitos das facilidades negociadas. Muitas vezes, os acusados relatam encontros dentro da própria Feema e ainda descrevem, com detalhes, como agiam para aumentar a repressão de fiscais, para que as empresas fossem pressionadas a fazer acordos e pagar propinas. Em certo momento, segundo o Ministério Público estadual, os dois chegam a argumentar que estão cobrando valores baixos.

¿ Eles dizem que, se bater na presidência, o valor vai para 40, 50 mil ¿ relata Vinicius Leal Cavalleiro, coordenador da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania do Ministério Público estadual.

Numa das conversas entre Thélio e Sandro, ocorrida em julho deste ano, eles mencionam que o marido da presidente da Feema é consultor e estaria cobrando R$ 45 mil por licenças ambientais. Procurada ontem para comentar as diversas vezes em que a presidência do órgão é citada, a assessoria de imprensa da Feema disse que não se pronunciaria sobre o caso.

Ontem, durante entrevista coletiva na sede do Ministério Público, o promotor Vinicius Cavalleiro afirmou que nove pessoas vinculadas à Feema são citadas nas gravações feitas pela Polícia Federal, mas entre elas, disse ele, não estava incluída a ex-presidente do órgão Isaura Fraga, atual secretária estadual de Meio Ambiente. Entre essas nove pessoas, ainda segundo o promotor, estavam a atual presidente, Elizabeth Lima; a vice-presidente, Tânia Maria Parucker Araujo Penna; e a coordenadora das Agências Regionais, identificada apenas pelo primeiro nome, Glória.

O promotor afirmou que a investigação começou pelas 29 empresas que foram citadas nos grampos feitos pela PF, mas, ressaltou ele, o trabalho está apenas no início: nada impede que outras empresas sejam investigadas, se houver indício de irregularidades. A princípio, as investigações do MP estadual vão ser centradas nos três funcionários já presos. Mas há a possibilidade de que todos os funcionários sejam investigados.

¿ Estamos apenas engatinhando. Sequer conseguimos encontrar todos os processos relativos às empresas citadas. Há muita coisa a ser investigada ¿ afirmou Cavalleiro.

MP pede quebra de sigilo dos acusados

Segundo o coordenador da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania, já foram abertos dois inquéritos civis públicos: um para investigar os licenciamentos ambientais das 29 empresas citadas nas interceptações telefônicas e outro para investigar improbidade administrativa dos envolvidos. O Ministério Público também está pedindo a quebra do sigilo bancário e fiscal dos acusados. Já é consenso entre os promotores que, além dessas ações na área cível, também serão abertos processos na área criminal, para apurar crimes de peculato e corrupção, ativa e passiva, entre outros.

Segundo o promotor Vinicius Cavalleiro, as pessoas que respondem a processos na área cível são passíveis de perda de cargo e multas pecuniárias. Já quem responde por crime pode ser condenado à perda da liberdade.

A Secretaria estadual de Meio Ambiente informou ontem que os dois funcionários Thélio e Joseléa, suspeitos de envolvimento nas concessões ilegais de licenças, foram afastados. O órgão abriu uma sindicância para apurar o caso. A secretaria sustenta que Sandro, apesar de as investigações dizerem o contrário, não era funcionário nem estava cedido ao estado. A nota oficial informa ainda que, se for comprovada a irregularidade, eles serão demitidos. O órgão disse também que todas as licenças dadas aos postos de gasolina investigados serão auditadas e podem ser canceladas.