Título: É a campanha!
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/12/2005, O GLOBO, p. 2

Quando diz que seus opositores ¿tentam fazer golpismo¿, comparando-os com os adversários de Hugo Chávez (que agora parecem ter jogado a toalha ao boicotar a eleição de domingo passado), o presidente Lula embarca num radicalismo verbal defensivo, inútil e talvez danoso. É seu governo, e não a oposição, que anda pedindo trégua para cumprir até mesmo tarefas prosaicas, como aprovar o Orçamento. A oposição, que desistiu de propor seu impeachment, não está tentando ¿golpismos¿. Está é sangrando o candidato Lula com as armas que o PT deu com suas malfeitorias.

Quando o presidente a chama de golpista, como fez ontem, está também aceitando a antecipação do confronto eleitoral. Agindo como candidato. Golpismo como a da Fedecámaras, que tentou derrubar Chávez, a oposição não está tentando. Pelo contrário, é cobrada por setores de sua base social por ter desistido de apresentar a proposta do impeachment em agosto. Naquele momento, levando em conta a popularidade de Lula, que ainda era alta, e a situação da economia, que era bem mais risonha, a oposição fez outra escolha: a do espancamento continuado do presidente até tirar-lhe o favoritismo eleitoral, no que vem sendo ajudada pelo surgimento de uma denúncia atrás da outra.

Esta escolha incluiu a violência verbal praticada por seus mais ilustres representantes, que ameaçam Lula com surras físicas, o chamam de chefe de quadrilha ou de irresponsável, para não repetir a longa lista de adjetivos brandidos.

Lula, entretanto, só perde ao entrar no jogo da radicalização verbal, contrariando o esforços de seu articulador político, Jaques Wagner, para obter uma trégua política mínima, que possibilite pelo menos o encerramento do ano com o Orçamento aprovado. Chamar a oposição de golpista foi uma volta ao discurso que utilizou na vertigem do estouro da crise, quando falava em conspiração das elites apesar das evidências de que o PT montara o caudaloso valerioduto que garantia a governabilidade com favorecimento financeiro aos aliados.

Depois desta fase, Lula pediu desculpas ao país em nome de seu partido, cortou cabeças, admitiu e depois condenou o caixa dois do PT. Ontem, voltou ao auto-engano também nisso, quando afirmou que o único problema entre o PT e a Coteminas do vice-presidente José Alencar é o fato de o partido não estar honrando suas dívidas com a empresa. Sabe que o crime do PT não é dever, é ter feito um pagamento de R$1 milhão com dinheiro de origem inexplicada. Tentando esclarecê-la é que a Polícia Federal ouviu Delúbio Soares novamente ontem.

Numa segunda fase, Lula fixou-se na louvação do lado mais saudável da crise (se é que existe um): a normalidade das instituições, o trabalho da Polícia Federal e o funcionamento das CPIs e, até recentemente, o fato de a economia não estar sendo contaminada.

Mas agora não está apenas ressuscitando o discurso original do auto-engano. Parece estar aceitando o desafio da oposição, agindo como candidato e antecipando a pancadaria que assistiremos durante quase um ano. Perde, e não apenas ao passar a idéia de que tenta reduzir o escândalo a manobras da oposição. Tendo responsabilidade de governar, amplia as dificuldades políticas que o governo já enfrenta.

Mas há quem prefira assim. Seu vice-líder na Câmara, Beto Albuquerque, do PSB, diz que é melhor que parem todos com a hipocrisia e assumam que a campanha começou. E que nela, ¿para baixo do pescoço tudo será canela¿.