Título: DOROTHY: CRIME FOI ENCOMENDADO, DIZEM RÉUS
Autor: Ismael Machado
Fonte: O Globo, 10/12/2005, O País, p. 14

Rayfran Neves confessa ter dado os tiros na missionária e confirma que ela leu trecho da Bíblia antes de morrer

BELÉM. Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, que estão sendo julgados desde ontem em Belém pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, confirmaram ao juiz Cláudio Montalvão que o crime foi encomendado e começou a ser planejado em dezembro de 2004, mais de dois meses antes de ser concretizado, em Anapu, no Pará.

Rayfran confessou ter dado os tiros e contou que teve seu contato inicial com o fazendeiro Vitalmiro Bastos, o Bida, em dezembro de 2004. No encontro, Bida perguntou se ele mataria a missionária. Rayfran disse que sim. O pistoleiro contou que Clodoaldo chegou a advertir que não daria certo, mas que os dois foram incentivados por Amair Feijoli, o Tato, que lhe deu a arma do crime.

Suposto intermediário ameaçou Dorothy de morte

Tato é apontado pelo Ministério Público como o intermediário do crime mas, na versão de Rayfran, a morte foi encomendada por ele. O pistoleiro disse que, na véspera do crime, Tato teve uma discussão com irmã Dorothy, quando chegou a afirmar que o destino da irmã era ser morta.

¿ Ele disse que se nós matássemos a irmã não iria acontecer nada, porque a polícia não vai atrás. Em cinco dias acabou ¿ lamentou Rayfran.

Mesmo assim, ele minimizou a participação de Bida como mandante e também tentou inocentar Clodoaldo, que, segundo ele, não o incentivou a atirar na missionária. Mas Rayfran admitiu que os dois ficaram escondidos na fazenda de Bida após o crime.

Rayfran dispensou o advogado Eduardo Imbiriba, sob a alegação de que não teria dinheiro para o pagamento e passou a ser defendido pela defensora pública Marilda Cantal. Os dois chegaram alguns minutos antes da sessão, escoltados por PMs e usando coletes à prova de balas. Uma das testemunhas também chegou escoltada e com um capuz, além do colete à prova de balas. Ela está no programa de proteção a testemunhas.

Rayfran disse ao juiz que chegou a discutir com a missionária. Irmã Dorothy teria colocado a mão dentro da bolsa e dito a frase: ¿A única arma que eu tenho é essa aqui¿.

¿ Achei que era um revólver. Dei o primeiro tiro, depois não vi mais nada e descarreguei a arma nela ¿ disse.

Contradição com outro acusado

Nesse ponto, ele entrou em contradição com Clodoaldo, que foi interrogado pelo juiz logo em seguida e garantiu que a missionária ainda leu um trecho da Bíblia antes de ser morta. Clodoaldo também afirmou que tentou fazer com que Rayfran desistisse do assassinato.

¿ Não vamos acabar com nossa vida assim ¿ teria dito ao comparsa. Clodoaldo disse, porém, que Amair Feijoli teria garantido aos dois que a morte de Dorothy Stang não teria grande repercussão.

Rayfran disse ainda que após o primeiro tiro Clodoaldo fugiu para uma mata. Os dois se encontraram depois e seguiram para a fazenda de Bida. Rayfran negou ter recebido R$50 mil para matar a freira. Clodoaldo também negou ter recebido pagamento. Segundo ele, a única quantia recebida foi de R$500 para a fuga. O dinheiro foi dado pelo fazendeiro Bida.

A previsão do juiz Cláudio Montalvão é de que o julgamento dure cerca de 25 horas.