Título: Olhar de fora
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 10/12/2005, Economia, p. 36

Um grupo de investidores e analistas especializados em América Latina que circulou esta semana pelo Brasil se disse convencido de que os juros brasileiros estão altos demais e que o Banco Central errou ao não conseguir se comunicar adequadamente com a sociedade. Avaliam como muito bons os indicadores externos e internos do Brasil, mas pensam que o projeto de Banco Central independente foi adiado.

Não houve discordância sobre o fato de que os juros estão altos demais. Eles tratam o tema como ponto inquestionável. Um deles argumentou que, mais do que ser excessivamente apertada, a política monetária hoje não é defendida por ninguém na sociedade. Isso prova que o Banco Central falhou na comunicação das suas razões.

A visão geral sobre o país é positiva, com uma ou outra preocupação a respeito do crescimento dos gastos correntes. Eles ressaltam todos os outros indicadores que mostram uma economia sólida.

¿ Compare o Brasil com a Turquia, por exemplo. O Brasil tem superávit em transações correntes crescente e a Turquia tem déficit de 6% do PIB; e aumentando ¿ disse-me um dos integrantes do grupo com quem eu jantei na noite de quinta-feira.

¿ Um superávit primário do tamanho do que o Brasil conseguiu manter é também um excelente resultado ¿ disse outro deles.

Apesar dessa avaliação positiva, o Brasil tem um dos mais altos riscos entre os países emergentes. Não faz muito sentido quando se compara a qualidade de indicadores com o grau de risco do país, principalmente com o feito pelas classificadoras de risco.

A visão de oito integrantes do que se pode chamar de ¿mercado internacional¿, que capturei durante o jantar, é curiosa. Os economistas estão preocupados com vários riscos, mas acham que eles não terão conseqüência. Pode parecer contraditório, mas é assim. Eles acham que os reflexos dos problemas nos países serão atenuados fortemente pelo excesso de liquidez do mundo.

Olham para o México interessados no crescimento recente do candidato do PAN, Felipe Calderón, mas admitem que há chance de ser eleito o candidato mais à esquerda Lopez Obrador, cujo pensamento econômico é, em parte, desconhecido; em parte, temido. Na Bolívia, dizem que há dois riscos, o da vitória de Evo Morales e o da vitória dele no voto popular e depois derrota no Congresso (que é quem decide o segundo turno), o que poderia provocar distúrbios sociais. O Peru, curiosamente, é apontado por alguns como um país com boas perspectivas. Eles acham que o ex-presidente Alan Garcia será derrotado pela candidata da direita Lourdes Flores Nano. A Venezuela é vista com preocupação pelo lado político, mas os indicadores do país estão cada vez melhores, como o grau de reservas cambiais. Para a Colômbia, olham com preocupação porque acham que Álvaro Uribe será reeleito, mas sem maioria no Congresso. Sobre o Brasil, eles estão confusos e desconcertados. Não esperavam uma crise tão grande; por outro lado, ressaltam os bons números conseguidos atualmente pela economia brasileira. Diante dos cenários mais difíceis, o argumento é sempre que a situação internacional vai ajudar qualquer país.

¿ Há tanta liquidez no mundo que qualquer risco político será considerado pequeno ¿ disse um deles.

Mas até quando isso vai durar? Perguntei.

¿ Nada dura para sempre, mas não acabará no curto prazo ¿ me responderam.

Seja como for, o Brasil está mais bem preparado agora do que em todas as eleições anteriores para enfrentar os ruídos naturais de um processo de escolha de rumos. Como se pode ver no gráfico abaixo, a inflação ficará acima do centro da meta, mas durante o ano caiu quase dois pontos percentuais, o volume de reservas saiu de US$16 bilhões na última eleição para US$50 bilhões e o país estará no quarto ano de superávit em transações correntes e no oitavo de superávit primário.

Mesmo assim, é difícil aceitar a idéia de que esse excesso de liquidez resolva todos os problemas. É mais fácil concordar com a idéia de que esses bons ventos não durarão para sempre.